Estilistas, modelos e jornalistas relembram os desfiles-shows da companhia
oglobo.globo.com
POR GILBERTO JÚNIOR
RIO — Enquanto a Europa borbulhava nos anos 60 com a invenção da minissaia e o futurismo de Pierre Cardin, Paco Rabanne e André Courrèges, a moda brasileira começava a ganhar uma cara só sua. Dener Pamplona de Abreu se firmava como um dos estilistas mais festejados da década. Clodovil Hernandes e Guilherme Guimarães também davam o que falar. Mas a cereja do bolo eram os desfiles da Rhodia na Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), em São Paulo. Pelas mãos do publicitário italiano Livio Rangan, a companhia de origem francesa fez história, incentivando a indústria nacional com seus shows megalomaníacos, com forte influência de nossa cultura.
— A ideia era popularizar os fios sintéticos que a empresa produzia. As roupas eram feitas pelos costureiros da época, como o próprio Dener — conta Maria Claudia Bonadio, autora do livro “Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960”, lançado recentemente, que tem como alvo os desfiles e campanhas da Rhodia. — Na publicação, falo bastante do show Stravaganza, de 1969. O espetáculo teve inspiração circense e levou para o palco leão, elefante e trapezistas. Gal Costa foi a estrela (não faltava música nas apresentações).
Indicado por Dener, o gaúcho Guilherme Guimarães, que fez fama no Rio, diz que tinha total liberdade. Ele podia fazer o que quisesse, desde que usasse as fibras sintéticas da empresa.
— Os sintéticos foram vistos com maus olhos. Nossas clientes de alta-costura só faziam vestidos com seda puríssima, que amarrotava na mala de viagem. A vantagem do sintético era justamente não amassar — comenta Guilherme, deixando claro que Clodovil não criava para a Rhodia. — Dener não deixava — diverte-se. — Dener era o meu melhor amigo, um encanto. Ele, inclusive, ameaçou não participar de um dos desfiles da companhia caso o Livio Rangan não me colocasse no time de costureiros. Rangan tinha uma visão incrível e um extremo bom gosto.
Natural de Trieste, Rangan, morto em 1984, foi uma peça importantíssima na engrenagem fashion nacional. Com as publicidades e os espetáculos na Fenit, ele ajudou a criar uma identidade para a moda brasileira, ao mesmo tempo que difundia os fios da multinacional.
— Os desfiles da Rhodia eram tudo o que tínhamos na década de 1960. Eram muito bem feitos — diz a consultora de moda Hiluz Del Priore.
As modelos eram as estrelas do espetáculo
Nos shows da Rhodia, tal como em qualquer outro desfile-espetáculo, as modelos tinham lugar de destaque. Exclusivas da companhia, elas viajavam à beça, fotografavam intensamente e faziam as comentadas apresentações na Fenit — o momento máximo. Entre todas as manequins, Mila Moreira, hoje atriz, era disparada a mais badalada.
— A Rhodia foi um marco, a TV Globo dos anos 1960. A gente ficava conhecida no Brasil inteiro. Não importava a cidade, sempre tinha alguém nos esperando — relembra Mila, que fez seu primeiro trabalho para a companhia em 1963, aos 16 anos. — Quando comecei, modelo era sinônimo de puta. As mães proibiam as filhas de andarem comigo.
Mila ficou no posto até 1974 e diz que fazia sucesso por ser “normal”, mais próxima da mulher brasileira comum
— Eu era a mais cheinha e tinha bumbum. Era a mais moleca e desengonçada. O público adorava. Mas minha mãe dizia que eu era a pior do grupo. Por um lado, foi bom. Ela manteve meus pés no chão. Nunca fui dada a estrelismo. Mas eu não tinha confiança alguma.
Guilherme Guimarães não esconde: Mila não era somente a preferida do Brasil. Ela também era a sua favorita.
— Nos encontramos muito no aeroporto, na ponte aérea Rio-São Paulo. A gente gosta de reviver aqueles tempos — entrega Guilherme.
Em 1968, a carioca Cristina Caldas, radicada em Nova York, entrou para o time de manequins da empresa, que buscava novos rostos. O cenário estava mudado.
— A profissão já tinha um certo glamour — pontua Cristina. — O Livio Rangan era muito rígido. Ele regulava a comida para a gente não engordar. Sem falar que ficávamos confinadas no hotel. Éramos jovens e ele era responsável por todas nós.
Mila confirma o protecionismo de Rangan:
— Ele pegava no pé. Não deixava a gente sair. Lembro que uma vez pulamos a janela para curtir. Atualmente, todo mundo faz o que quer. O italiano era um gênio — elogia a atriz, que teve a oportunidade de rodar o mundo como manequim da casa. — Estive no Japão, Itália, Tailândia, Portugal, Líbano…
Também em 1968, Suzete Aché, jornalista do ELA, fez sua estreia nas publicidades da Rhodia. Na sessão de fotos, ela vestiu a moda teen da época desenhada por Alceu Penna, um dos colaboradores mais conhecidos da empresa.
— Era divertido. Um dia a banda “Os Mutantes” veio nos visitar durante um ensaio. Foi a maior emoção. Também fiz desfiles na Fenit e pelo país. Rangan era o mentor de tudo. Uma pessoa cativante e grande conquistador. Ele foi namorado da Ully Duwe, a mais bonita das modelos da Rhodia — recorda Suzete.
Ully, aliás, passou por maus bocados no show Stravaganza, quando foi atacada por um leão. Ela narrou o episódio no livro “História da moda no Brasil”, de João Braga e Luís André do Prado: “De repente, ele abriu um bocão em que cabia meu bumbum inteiro! Mas não foi nada; só deu um beliscãozinho!”.
Segundo Cristina, as roupas desfiladas na Fenit e fotografadas nos ensaios eram confortáveis e desejáveis. E poderiam ser usadas agora, de tão modernas que eram.
— Mas a empresa vendia os fios, não a moda — esclarece Maria Claudia Bonadio.
Livio Rangan deixou a Rhodia em 1970, no mesmo ano em que a companhia fez seu último desfile-show na feira.
— Foi um período impactante para a moda. A Rhodia vendia o Brasil — resume o consultor de moda Lula Rodrigues.
Leia mais: https://oglobo.globo.com/ela/moda/livro-revive-as-apresentacoes-grandiosas-da-rhodia-na-fenit-nos-anos-60-16948509#ixzz4jjbkBh8K
stest