Por Nelson Cadena
Pesquisador e jornalista
Publicado no Correio da Bahia (21/07/2017)
Alceu Penna, o figurinista de São João
Pode ser exagero, mas me sinto confortável, nesse excesso verbal, reconhecer que a moda das festas juninas tem um pai e quem encarna esse papel de figurinista é Alceu Penna, jornalista, figurinista, designer de embalagens e ilustrador nascido em Minas Gerais e que durante mais de 40 anos brindou os brasileiros com desenhos publicados nas revistas A Cigarra e, em especial, O Cruzeiro, a semanal de maior circulação no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960. Abrindo e fechando um parênteses, há quem reconheça como de sua inspiração a baiana estilizada do figurino de Carmem Miranda, símbolo da brasilidade na terra do Tio Sam.
Ninguém neste país influenciou tanto a moda das festas juninas quanto o jornalista aqui referido. Através de centenas de modelitos criados por ele e divulgados em páginas duplas da revista, ano após ano, nas edições de junho, quase sempre com comentários em texto, Penna influenciou tanto a elite e a classe média brasileira que lia revistas e participava das festas de São João nos clubes sociais, que as grandes fabricantes de tecidos lançaram no mercado similares dos seus desenhos. O mineiro, já consagrado ilustrador, acabou sendo mais tarde consultor e figura exponencial dos famosos desfiles da Rhodia.
Todas as mulheres brasileiras queriam ficar lindas e sensuais (o lápis do ilustrador imprimia essa forte característica) com os vestidos, inicialmente de chita, desenhados por Alceu, que, além de originais nessa temática, abusavam das cores e esse era um de seus triunfos. Outros desenhistas de moda da época, tipo Raquel, na revista O Cruzeiro, e Marinete, na Revista da Semana, seguiam a tendência das estações, ou no máximo incursionavam na moda temática de fantasias de Carnaval, na qual Alceu Penna também foi um exímio criador. Também de maneira brasileiríssima, fugindo do estereótipo de árabes, sheiks, ciganos, piratas, marinheiros, etc.
É claro que o artista influenciou a mídia específica e vários concorrentes tentaram impor estilos da então denominada moda caipira, numa referência à forte tradição das festas juninas no interior do Brasil, em especial no Nordeste. Nenhum obteve sucesso. Ao contrário, Penna continua atualíssimo. Basta olhar as suas sugestões de vestidos, sapatos e botas, chapéus, blusas de época, para garotas; são as mesmas que vemos hoje nas vitrines das lojas de shoppings nessa época do ano. Alceu interpretou, como nenhum outro desenhista de seu tempo, o espírito junino que traduziu em estampas associadas os elementos característicos: fogueiras, balões, sortes, milho, bandeirolas…
Alceu Penna também escrevia, mas nos textos que ilustravam moda servia-se de dois grandes parceiros: Aladino e Maria Luíza. Esta última, num comentário sobre a moda junina, escreveu: “As garotas depois de muito pensar nos defeitos dos homens descobrem que eles só têm um defeito grave: achar que elas têm defeitos”. Uma frase bobinha, mas com algum sentido para os anos 60.
Fonte: Nelson Cadena: Alceu Penna, o figurinista de São João