Autoras: Carla Bassanezi* Leslye Bombonatto Ursini**
No Brasil da década de 50, a revista O Cruzeiro se destacava como um dos meios de comunicação mais importantes da época.1 Primeiro lugar entre as revistas no IBOPE durante toda a década, presente nos lares de classe média urbana e lida por toda a família – reproduzindo e construindo valores –
O Cruzeiro trazia suas versões e propostas sobre a juventude e os significados de gênero de seu tempo. Nesta revista, a juventude geralmente aparecia em matérias e artigos amenos tais como cobertura de bailes e de festas escolares, crônicas sobre a diversão nas praias, eventos esportivos, concursos de beleza e fotos de modelos (moças sedutoras, mas bem comportadas), atividades de rapazes atléticos (cadetes, estudantes brasileiros e americanos), e entrevistas com garotas bonitas e educadas (geralmente de elite). Reportagens sobre jovens rapazes em atitudes de protesto (contra aumentos nas tarifas de bonde, contra arbitrariedades na Faculdade de Direito etc), apesar de bem raras, também tinham um certo espaço na revista. A ideia da “juventude-problema”, amoral, sujeita a vícios, radicalmente rebelde, assustadora, praticamente não aparecia nas páginas de O Cruzeiro. Uma exceção foram as matérias sobre o “caso Aída Curi” (ago.- set. 1958). Antes deste episódio, a expressão “juventude transviada” havia sido usada referindo-se a * Mestre em História Social pela USP, doutoranda da área de Família e Gênero – UNICAMP. ** Mestranda em Antropologia Social – UNICAMP. 1 Em seu auge nos anos 50, O Cruzeiro chegou a uma tiragem de setecentos mil exemplares incluindo os duzentos e cinqüenta mil que iam para outros países como Argentina e Portugal. O cruzeiro e as garotas 244 meninos pretinhos favelados que desceram do morro para fazer pequenos furtos e ao personagem de James Dean, consagrado pelo cinema. Com a atenção voltada para a história da morte de Aída Curi, o termo “juventude transviada” passou a referir-se a certos tipos de “delinquencia” cometidas por jovens de classe média e alta (e mesmo uma predisposição para tal) propiciada pela má educação, falta de religiosidade, moral duvidosa e pela convivência com bebidas, drogas e más companhias. A cobertura d’A morte trágica da estudante Aída Curi, vítima inocente da sanha criminosa de jovens delinquentes de Copacabana (que quiseram violentá-la) não foi completa ou detalhada (esta tarefa cabia aos jornais e aos rádios), mas nos revela alguns aspectos significativos dos valores e práticas da época: – a virgindade como uma garantia de pureza, inexperiência e honra de uma jovem (a ser defendida com a vida se preciso fosse) e prova definitiva de que a moça merecia respeito, consideração e justiça; – a preocupação da Igreja católica e dos setores mais conservadores, incluindo articulistas da revista, em fazer deste caso um baluarte da luta contra os comportamentos considerados rebeldes de certos jovens (meninos e meninas que bebem cuba-libre, freqüentam o “Snack Bar” em Copacabana, usam blusa vermelha e blue jeans, mentem para os pais, cabulam aula, não pensam no futuro e não têm base moral para construir um lar). A força de uma história trágica como esta, tomada como exemplo e incorporada ao discurso disciplinar das jovens da época (nas famílias, nas escolas, nas igrejas), permaneceu na memória de muitos contemporâneos até hoje.
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