Um prodígio brasileiro

 

Por Ruy Castro

Escritor, biógrafo e jornalista; pubicado na  Folha de S. Paulo em 03/01/2015

RIO DE JANEIRO – Sem fanfarras, tivemos neste dia 1º o centenário de um dos artistas gráficos mais completos do Brasil: Alceu Penna, o ilustrador que, de 1938 a 1964, publicou as famosas páginas duplas, “As Garotas do Alceu”, em “O Cruzeiro”.

Durante aqueles 26 anos, Alceu, semana após semana, inventou a moderna mulher brasileira: jovem, elegante, saudável, atlética, informada, independente, maliciosa, quase petulante (e, se essa mulher nem sempre correspondia a tal descrição, a culpa era dela, por não ter se inspirado em Alceu). Brasileiras de todas as cidades alcançadas por “O Cruzeiro” –que, nos anos 1950, eram todas– vestiam-se como suas garotas e tentavam copiar sua postura e “atitude”.

Tecnicamente, Alceu era um prodígio. Os colegas o admiravam pela maestria com que, em traços ágeis e firmes, insinuava tonalidades, volumes, texturas. E olhe que era daltônico: via o vermelho no verde e vice-versa. Com tudo isso, nunca houve um costureiro brasileiro que não fosse seu devedor.

Alceu, no apogeu, estava nas passarelas, nos cassinos, no teatro, na TV, na indústria têxtil, nas capas de livros e discos. Criou modelos de alta costura, vestidos de noiva, fantasias de Carnaval, moda de praia, lingerie, figurinos de musicais… sempre na casa dos milhares e, inúmeras vezes, de graça. Morreu pobre, mas isso foi o de menos: um derrame em 1975 condenou-o a passar os últimos cinco anos de sua vida sem desenhar.

As mulheres de Alceu eram, sem exceção, lindas ou interessantes –porque assim ele as enxergava. O extraordinário é que, segundo seu biógrafo Gonçalo Junior, no magnífico “Alceu Penna e as Garotas do Brasil” (Amarilys, 2011), nunca se soube de uma ocorrência amorosa em sua vida –com qualquer sexo. Alceu pode ter morrido virgem de mulheres, mas, à sua maneira, digo eu, fecundou-as todas.

Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/um-prodigio-brasileiro-por-ruy-castro

As Garotas de Alceu Penna

Alceu Penna teve um importante papel na construção da identidade da moda brasileira da forma como a conhecemos hoje. Antes dele começar a ilustrar as colunas na revista O Cruzeiro, as publicações do país não se preocupavam com a representatividade da moda nacional, trazendo apenas o que se via lá fora para suas páginas. No entanto, através de seus desenhos Alceu pode adaptar o modo de vestir das estrangeiras para a realidade do Brasil, começando assim a traçar as primeiras características que viriam a ser identificadas como parte da identidade brasileira.

Considerado um artista gráfico versátil, Alceu Penna atuou em diversas áreas, desde criação de capas para revistas, elaboração de cenários e figurinos para cinema, teatro e TV, até desenhos para o público infantil e fantasias para escolas de samba. Mas seria através da coluna “Garotas”, veiculada durante 28 anos na revista O Cruzeiro, que o ilustrador ganharia visibilidade e reconhecimento.

Publicação da coluna “Garotas” na revista O Cruzeiro, a principal revista ilustrada brasileira da primeira metade do século XX.

Inspiradas pelas Gibson Girls, as Pin-ups do The Saturday Evening Post, as figuras femininas de “Garotas” expressavam a vida moderna no país. A coluna, que trazia mocinhas vestidas com as últimas tendências conversando sobre os assuntos mais variados, ditou modas e costumes, influenciando diretamente o comportamento da geração de homens e mulheres da época. Através de suas garotas, Alceu Penna disseminou novos hábitos para as moças da época, que agora eram mais modernas e urbanas. Além disso, a coluna também refletia ideais ligados ao contexto político-social vivido no Brasil.

Nesse período, ainda não se colocava em questão uma moda nacional, uma vez que a indústria têxtil do país era gerenciada por empresários mais preocupados em garantir sua sobrevivências do que na busca por uma moda com expressão nacional. As elites consumidoras de moda ainda consideravam sinônimo de elegância vestir-se nos moldes da Alta Costura francesa. Assim, as revistas brasileiras se conservavam a apenas apresentar e descrever as novidades da moda internacional.

As garotas de Alceu eram ousadas e destoavam do comportamento conservador da época, incentivando o empoderamento das mulheres.

A partir da década de 30, com a viagem de Alceu Penna para Estados Unidos, seu olhar se afina para as peculiaridades de sua terra natal, e isso reflete em sua coluna. Antes da viagem, a coluna intitulada “Álbum de fantasias de O Cruzeiro” trazia ideias de fantasias inspiradas nos trajes típicos de países estrangeiros. Após seu retorno, as fantasias inspiradas no Carnaval veneziano dividem espaço com elementos de nossa cultura, como o malandro e a baiana. Mas esse movimento não acontece apenas nas fantasias: aos poucos, o ilustrador começa a apresentar uma moda com características nacionais. Em um primeiro momento, adaptada ao clima tropical, e posteriormente à matéria prima têxtil nacional, como o algodão.

Alceu Penna também causa mudanças no comportamento da mulher brasileira. Apesar de O Cruzeiro ser uma revista de variedades voltada para as famílias conservadoras, a coluna “Garotas” não se enquadrava no padrão de comportamento feminino da época. Eram moças de família, que sonhavam com o casamento, mantinham boa aparência e respeitavam os mais velhos, mas às vezes escapavam de certos padrões e brincavam com a imagem do papel da mulher. Elas tomavam a inciativa na conquista, usavam roupas mais curtas e iam a bailes desacompanhadas. As “Garotas” eram confiantes e irresistíveis, e dessa forma contribuíram para a emancipação de alguns comportamentos das moças do período.

Naquele momento, o Rio de Janeiro era visto como centro cultural e modelo de progresso diante do restante do país. Assim, as mocinhas criadas por Alceu Penna eram retratadas em cenários que faziam parte do cotidiano da elite da cidade junto com seus modismos e trejeitos. Como O Cruzeiro era uma revista de alcance nacional, o estilo de vida carioca se espalhou para todo o país, tornando-se objdesejo de todos. A praia era um popular ponto de encontro da juventude da época, e não seria diferente para as  “Garotas”, que eram frequentemente ilustradas no cenário. Com a exposição do corpo ao sol, a pele bronzeada e o corpo esbelto se tornaram o ideal de beleza vigente do período, associado ao Rio de Janeiro.

Referência de estilo, as garotas de Alceu vendiam o lifestyle brasileiro, muito associado ao Rio de Janeiro.

As “Garotas” de Alceu ganharam tanto de destaque que começaram a sair do papel para se tornarem de carne e osso, uma vez que suas atitudes eram copiadas pelas jovens da época. Não só isso: os figurinos criados para suas bonecas também eram levados para as costureiras a fim de serem reproduzidos. As moças desejavam ser uma das tais “Garotas” e os rapazes sonhavam em se casar com uma delas. Em conjunto com sua colaboração para a moda brasileira, o ilustrador abriu espaço para uma nova figura feminina emergir.

Aprofunde a sua pesquisa:

Site: www.alceupenna.com.br

Livro: Alceu Penna e as Garotas do Brasil, por Gonçalo Junior (Editora Manole)

Livro: Vamos, garotas! Alceu Penna, por Gabriela Penna (Editora Annablume)

*Por Gabriela Cabral, em colaboração ao Costanza Who

As Garotas do Alceu

Por Lucia Helena Monteiro Machado

Ah! As garotas do Alceu! Lindas graciosas, sempre sorridentes e sonhadoras. Quais sonhos eram apropriados para as jovens daquela época? Uma época que já se foi e não existe mais.

Estamos falando da década de 50. O Rio, capital do Brasil vivia sua “belle époque” tupiniquim. A vida era risonha e franca. Nada de violência, nem drogas, nem traficantes. Juscelino prometia 50 anos em cinco. O “presidente bossa nova” era chamado de “pé de valsa, pois gostava de dançar e dançava bem. Marta Rocha “quase” levava o título de Miss Universo. E, felizes, iam todos para a praia, como naquele filme famoso, Nunca aos domingos. Nesta não haviam arrastões…

Bem, e as garotas? Quanta graça e quanto charme exibiam as jovens cariocas! Admiradas e copiadas por todas as moças provincianas do país. E quem as traduzia de maneira perfeita? Alceu Penna. No seu traço inconfundível, estampava todo o charme da mulher carioca. E era uma via de mão dupla. Ele as retratava e elas o copiavam. Sem ser um “estilista”, coisa que nem existia na época, ele desenhava roupas, chapéus, fantasias de carnaval, maiôs e penteados que eram copiados por todo o Brasil. Falo de cátedra porque tive vestidos copiados de seus desenhos.

Belo Horizonte, uma cidade ainda acanhada, não tinha lojas de roupas femininas, muito menos butiques. As roupas eram confeccionadas por costureiras ou pelas próprias mães, como era o meu caso. E os modelos de Alceu eram um achado. A primeira loja de roupas prontas de Belô foi A Siberia, e os modelos vendidos eram mais estilo “senhora”. As jovens tinham que comprar pano nas várias lojas de tecido da cidade, para confeccionar seus modelitos. Enorme sucesso fazia a fábrica da Bangu, que tinha bonitos tecidos, em algodão da melhor qualidade. Era o pano perfeito para os modelos de Alceu. Então, os famosos “imprimes”, algodão estampado, floridos, perfeitos para as jovens.

Nessa época, nenhuma garota ia a uma festa junina sem uma roupa de chita. E os modelos vinham todos de Alceu. Como as festas eram bonitas e coloridas! Éramos orgulhosas de usar aqueles vestidos cheios de babados, fazer uma trança, ou colocar uma postiça, e dançar músicas tradicionais a noite toda. Nas festas típicas da Europa, toda a população se veste de maneira tradicional. Aqui, parecem ter vergonha. Hoje, as festas juninas são um amontoado de gente sem nenhum caráter, dançando músicas estrangeiras.

E os calendários do Alceu? Eram lindos. E apesar de ter aquele toque de ingenuidade, que ele colocava nas suas meninas, tinha uma enorme sensualidade. Sim, as garotas eram ingênuas, mas, de maneira nenhuma, assexuadas. As pernas esguias, que saíam de uma beca de formatura, o decote apenas sugerido e o olhar provocante, não deixavam dúvidas: eram sedutoras, provocadoras e, o toque de ingenuidade era apenas um charme a mais. Falando francamente, eram mais sensuais do que as modelos nuas dos atuais calendários.

Assim era Alceu. Um esplêndido desenhista, um refinado estilista e o melhor tradutor de uma juventude que reinava numa época que não volta mais, da que já foi chamada de “a era da inocência”. Não tão inocente assim, mas bem mais tranquila e segura. Mais charmosa também, em grande parte, graças a Alceu. 

*Lucia Helena Monteiro Machado é psicóloga e escritora, autora dos livros Retratos em busca de uma história e Paris para brasileiros.

“PAPAI SABE TUDO” perdeu de vista a “GAROTA DO ALCEU”

postado por Alexandre Figueiredo 

Linhaça Atômica

No começo deste ano, um sisudo economista, de seus 62 anos, se separou de uma conhecida e belíssima jornalista de televisão. Os motivos da separação não foram anunciados para preservar a privacidade do ex-casal, mas observa-se que são as tais “diferenças irreconciliáveis”, que seriam assumidas se a separação tivesse envolvido um casal dos EUA.

Nunca ficou difícil para executivos, profissionais liberais e empresários que começam a viver os 60 anos de idade viverem como os antigos “coroas” que eles conheceram e admiraram nos anos 1970. Era o estilo de vida ao mesmo tempo granfino, pedante e “comedido” dos senhores de idade que viraram seus “heróis” desde a tenra infância nos anos 1950.

Há poucos anos atrás, era a vez de um empresário e publicitário se separar de uma apresentadora de TV, por “diferenças irreconciliáveis”. E outro empresário, marido de uma atriz, só pôde manter o casamento depois de uma terapia de casal que fizesse pelo menos o homem aderir aos novos tempos.

Ficar trancado em escritórios ou consultórios fez com que uma geração de médicos, advogados, empresários, economistas e engenheiros nascidos entre 1950 e 1955 ficassem parados no tempo e vendo o mundo praticamente sob os olhos de seus pais, patrões e professores cerca de 20 anos mais velhos.

Presos a um padrão de comportamento e vestuário que os fazia “colarem” sapatos de verniz nos seus pés – só passaram a usar tênis nas caminhadas na orla sob pesados conselhos ortopédicos – e a se vestir de “industriais” ou “ministros” só para divulgar romances literários no Programa do Jô, os “granfinos” born in the 50s, sessentões de primeira viagem, mostram dificuldades de se reinventarem na vida.

Eu me lembrava de quando, por volta de 1974, eu via os noticiários da televisão, menino de três anos que eu era, e eu comentava que os homens que apareciam nas notícias vestindo terno e gravata estavam “vestidos de ministro”. Em 1978, eu já questionava esse “mundo adulto” em que homens se autoafirmavam com ternos, sapatos de verniz, cargos de comando e regras de etiqueta.

Esses granfinos trancados em escritórios e consultórios acham que só por ter um bom desempenho profissional (nada revolucionário nem idealista, diga-se de passagem), podem ao mesmo tempo terem moças bonitas mais jovens e terem uma personalidade mais antiga, que os fazia chegar aos 50 e, agora, aos 60 anos, com o desejo infantil de apressar uma bagagem mental de 70, 80 anos.

Procurando nas mocinhas uma tradução meio pós-moderna das “Garotas do Alceu”, série que mostrava a realidade de jovens moças sob desenho de Alceu Penna e outros autores (eu costumava ler, nas bibliotecas, os textos escritos por Maria Luíza Castelo Branco), os equivalentes brasileiros do Papai Sabe Tudo não acompanharam a transformação dos tempos.

Vendo com preconceito as transformações dos anos 80 fora de seus cursos de pós-graduação, de suas empresas e consultórios, como se não houvesse diferença entre Legião Urbana e Trem da Alegria ou entre Marcelo Rubens Paiva e o palhaço Bozo, eles compensaram, a partir dos anos 90, com suas esposas mais jovens, a imagem imatura causada em relações conjugais anteriores.

Eles pegaram mocinhas que viam MTV, que iam a danceterias e que hoje estão na casa dos 40, 45 anos, mas ficaram presos a um perfil de “coroa” ao mesmo tempo paternal, obsessivamente elegante, extremamente formal, não raro plagiando as personalidades dos patrões, professores e dos próprios genitores masculinos que lhes serviam de modelo para a vida.

“Mauricinhos” nos anos 70 que foram o auge do colunismo de Imbrahim Sued, depois convertidos em yuppies profissionalmente corretos, eles, já no final dos anos 1990, se impressionaram demais com seus cabelos grisalhos e entraram no século seguinte prometendo chegar aos 60 anos com uma bagagem mental de homens bem mais velhos.

E aí, ficava aquela coisa constrangedora de reviver o passado sem ter identificação natural com ele. Poucos conseguem enxergar o mundo para antes de seus berços, e os granfinos nascidos nos anos 1950 tiveram a mania de entender o mundo girado até o tempo de suas infâncias (mais ou menos 1958 ou 1959) como se eles tivessem sido adultos nessas épocas.

Aí vi, na edição recente de Caras, um médico de seus 60 e tantos anos aparecendo com traje de gala no baile do Copacabana Palace, alheio ao mundo ao lado de sua esposa 20 anos mais jovem, sem saber que o próprio baile já começa a sofrer as influências popularescas que fizeram esses sugar daddies se afastarem da revista Caras.

Independente de tais relações conjugais permanecerem ou não, o que se nota é que fica muito difícil esses médicos, empresários, advogados, economistas e engenheiros que têm 60, 65 anos, com cabelos grisalhos, experiência profissional, primeiros netos e tudo, viverem como os “coroas” de outros tempos.

Daí que, num dado momento, o Papai Sabe Tudo perde de vista a “Garota do Alceu”. Ironicamente, Robert Young, ator da série norte-americana (Father Knows Best, no original) encerrou sua carreira nos mesmos anos 80 desdenhados pelos granfinos de 60 anos.

http://linhacaatomica.blogspot.com/2015/02/papai-sabe-tudo-perdeu-de-vista-garota.html

Talento é eterno.

Por Anna Marina*

Família com muitas filhas moças só podia dar no que deu: como eram bonitas e muito vaidosas, chamavam a atenção na cidade. E, na época, pelo jeito que se vestiam, eram comparadas às Garotas de Alceu. Aquelas que, toda semana, traziam nas páginas de O Cruzeiro, a revista de maior tiragem da América Latina, todo o charme e o dengo das cariocas – muitos anos luz à frente das mocinhas do país.

Alceu Penna derrubava mitos, tabus, tradições, colocava na boca de suas garotas palavras e desejos que passavam longe do conservadorismo do país. Mesmo assim, não escandalizava, não era demonizado. Apenas copiado, e muito, por toda mocinha que queria ter o mesmo charme, as mesmas pernas longas, a mesma cintura fina daquelas imagens tão inovadoras e avant garde que a revista publicava.

O desenhista ia além de criar figurinhas: ditava moda, comportamento, vaidades. Nascido na pacata Curvelo, antecedia outra patrícia que anos mais tarde também fez história no país e no exterior. Só que Zuzu Angel tinha uma abertura diferente em relação à moda, sem muita criatividade por aqui. Criava sua própria visão do que acreditava ser o espirito do estilo brasileiro. Alceu Penna ia além: desenhando numa época em que as novidades lançadas no exterior levavam semanas para chegar aqui, aproveitava sua facilidade de receber informações antecipadas, por meio da revista, sabia antes das ávidas consumidoras para onde a moda estava indo.

Mas não ficava só nisso: assim como definia em seus desenhos as linhas criadas por Dior ou Givenchy, investia lindamente em tradições brasileiras, como as festas juninas e os bailes de carnaval. Aqui em Minas, não foram poucas as foliões que apareciam nos bailes chiques da cidade usando suas fantasias. E as festas juninas repetiam suas lindas roupas de sinhazinha.

Bom de tudo isso é que as criações de Alceu Penna eram replicadas em várias versões. Como as costureiras eram poucas, os modelos eram repetidos em máquinas de costura domésticas, por mães prendadas ou pela próprias garotas. Outro lance muito importante é que as lojas de tecido ofereciam mil opções, dos exclusivos tecidos importados aos nobres algodões nacionais. Até a Bangu entrou na dança, com os desfiles que promovida no país – e até no exterior – com modelos criados por Alceu.

Esse talento e esse bom gosto se repetiram depois nas páginas de culinária da revista, que eram editadas por sua irmã, Thereza de Paula Penna. Ele colaborava na montagem dos pratos, fazendo com que qualquer comidinha doméstica se transformasse em tentação gourmet. Outro setor, aliás, que a dupla de Curvelo investia em divulgação de um assunto que pouco aparecia nas páginas das publicações nacionais.

E o talento do estilista mineiro é tão autêntico que segue sempre atual. Os modelos que criava para suas garotas podem ser copiados hoje com o mesmo sucesso. Obra de mestre não envelhece, não faz 100 anos.

*Editora Anna Marina Siqueira, Caderno Feminino & Masculino / Jornal Estado de Minas.

MASP organiza mostra sobre desfiles-show da Rhodia nos anos 60

Campanha que celebrou os 50 anos da Rhodia no Brasil, de 1969, com vestidos estampados por artistas como Jacques Avadis, Moacyr Rocha, Fernando Martins e Manabu Mabe (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Tema de uma exposição que entra em cartaz este mês, os desfiles-show e campanhas da Rhodia nos anos 60 revelaram toda uma geração de talentos e ajudaram a moldar a identidade da mosa nacional, tendo a arte como aliada

No fim dos anos 50, quando a moda ainda engatinhava no Brasil, o publicitário italiano radicado em São Paulo Livio Rangan – figura visionária, dono de uma criatividade inesgotável e com estampa digna de galã da Cinecittà – teve a ideia de orquestrar campanhas e desfiles grandiosos que mesclassem peças assinadas por estilistas nacionais, arte e cultura pop. Por trás do ambicioso projeto estava a Rhodia, empresa francesa que, em 1919, havia instalado por aqui uma fábrica de lança-perfumes – isso mesmo, o famoso Rodouro, que animou nossos Carnavais até a proibição do spray, em 1961.

Antevendo essas mudanças, a Rhodia entrou firme e forte na produção de fibras sintéticas em 1955. Para vendê-las no País tropical, referência mundial em algodão, traçou uma mega estratégia de marketing em parceria com Rangan, que durou pouco mais de uma década, encerrando-se em 1970. “Livio foi um grande diretor de arte, de teatro, um ótimo metteur en scène. Seu trabalho na Rhodia era um pretexto para mostrar o que realmente sabia fazer: arte no palco, em filmes, na fotografia”, avalia a ex-modelo e jornalista Zizi Carderari, casada com o publicitário de 1974 até 1984, quando elemorreu precocemente, aos 51 anos.

Jan, Ully, Felicia, Mailu e Marisa com vestidos de Licínio de Almeida apresentados no desfile-show Momento 68 na 11ª edição da Fenit, em 1968 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

O italiano passou a dirigir a publicidade da Rhodia e a idealizar editoriais para revistas ligadas à indústria têxtil, tendo como alvo os clientes dos fios da empresa. Numa era pré-semanas de moda, as peças eram lançadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil, a Fenit, em desfiles-show que exibiam criações dos estilistas mais incensados da época, pioneiros da alta-costura made in Brazil, como Dener, Ugo Castellana, José Ronaldo, Guilherme Guimarães e Jorge Farré. As coleções eram desenvolvidas utilizando as matérias-primas mais modernas da Rhodia sob a coordenação do ilustrador mineiro Alceu Penna, autor do icônico figurino de Carmen Miranda e da série de crônicas de moda “Garotas do Alceu”, publicada na lendária revista O Cruzeiro e que influenciava os costumes das brasileiras de então.

Para acentuar o cunho cultural (e inédito) da empreitada, Livio – um workaholic que sonhava alto e dormia pouco – decidiu convidar artistas plásticos para desenhar as estampas das cem peças únicas apresentadas a cada coleção. A lista de colaboradores é extensa e ilustre: Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Milton Dacosta, Nelson Leirner, Ivan Serpa, Manabu Mabe, Alfredo Volpi, Willys de Castro. Parte das criações assinadas pelo grupo se perdeu ao longo do tempo (caso de peças de Ohtake, Iberê e Dacosta), mas 79 modelos com estampas de 28 artistas foram doados em1972 para o Museu de Arte de São Paulo, formando um conjunto batizado de Coleção Masp Rhodia. A boa notícia é que, a partir do dia 23 deste mês, todos os itens serão exibidos por lá na mostra Arte na Moda – a última vez que esse acervo esteve em sua íntegra às vistas do público no museu foi há 43 anos, na época de sua doação.

 Mailú, Mila e Lilian com peças criadas por Alceu Penna para o desfile-show Rio 400 anos, em 1964 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Em clima de Tropicália meets Carnaby Street, os desfiles da Rhodia uniam moda e arte,mas não só isso: havia também música, dança e poesia. O ator Raul Cortez
fazia as vezes de mestre de cerimônia, e o roteiro costumava ter assinaturas ilustres – nascia do humor de Millôr Fernandes ou da sensibilidade de Carlos Drummond de Andrade. Coreografias do americano Lennie Dale (que pouco depois, nos anos 70, fundaria o lendário grupo de dança andrógino Dzi Croquettes) eram embaladas por performances ao vivo de nomes em ascensão namúsica, como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou Rita Lee – linda à frente de sua banda naqueles tempos, Os Mutantes. Em meio às apresentações musicais, aconteciam os desfiles propriamente ditos, cujos castings eram atração à parte.

http://vogue.globo.com/moda/moda-news/noticia/2015/10/masp-organiza-mostra-sobre-desfiles-show-da-rhodia-nos-anos-60.html

Alceu Penna, estilista que vestiu Carmem Miranda, completa cem anos

GONÇALO JUNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se contar, ninguém acredita. Pode parecer exagero, mas, talvez, as trajetórias de Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Millôr Fernandes fossem diferentes se seus caminhos não tivessem cruzado com o do mineiro Alceu Penna. Cartunista e pioneiro da moda no Brasil, Alceu faria hoje 100 anos de idade –para a família, a data correta é 1º de janeiro. Sua história, pouco conhecida, lembra um daqueles personagens do cinema que foram testemunhas dos mais importantes eventos de seu tempo. A diferença é que ele estava lá mesmo. De verdade.

Nascido em Curvelo (MG), Alceu se mudou para o Rio de Janeiro em 1932, aos 17, e no mesmo ano, começou a fazer capas para a revista “O Cruzeiro”. Entre 1938 a 1964, Alceu Penna teve um papel importante nos costumes das mulheres brasileiras, com sua coluna “As Garotas”, publicada toda semana na revista.

 

 

Desenhos de Alceu Penna

Um anúncio de 1938, publicado nos jornais da rede Diários Associados (que editava também a revista), falava da novidade e de seu estilo: “As garotas são a expressão da vida moderna. Endiabradas e inquietas, elas serão apresentadas todas as semanas em ‘O Cruzeiro’ por Alceu Penna”.

A cada edição, ele trazia algum tema que ocupava de duas a quatro páginas da revista. Desde assuntos políticos a cinematográficos, esportivos etc. Quem seguia a moda, copiava as roupas –cuidadosamente feitas com as cores e tendências do momento– e as atitudes de “As Garotas”. O artista fazia ainda sugestões para penteados.

As cenas eram completadas com frases: “Nada existe de mais prático para verão do que os shorts, uma genial invenção ‘yankee’ que parece ser destinada exclusivamente ao nosso clima. Aqui vemos nada menos do que sete modelos encantadores. Alguns deles servem também para entrar n’água…”.

CARMEM MIRANDA

Antes desse sucesso todo, Alceu–um amante das histórias em quadrinhos– deu um jeito de colaborar com “O Globo Juvenil”. Era um tabloide que circulava três vezes por semana e fora criado por Roberto Marinho, em junho de 1937. Ali, propôs a um assistente do editor que adaptassem juntos clássicos da literatura para o suplemento.

O nome do assistente era Nelson Rodrigues, que teve, assim, uma de suas primeiras experiências de criação, antes de se tornar cronista, ficcionista e dramaturgo dos melhores.

A parceria rendeu bons frutos. Eles levaram para a linguagem dos gibis, entre outros, “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, e “O Mágico de Oz”, que acabara de virar longa-metragem de sucesso.

Na virada dos anos 1930 para os 1940, Alceu viveu dois anos nos EUA, quase ao mesmo tempo em que sua amiga Carmen Miranda. Pretendia ser ilustrador e cartunista da revista “Esquire”, e conseguiu. Por mais de um ano, o brasileiro colaborou com cartuns na publicação.

Ele havia conhecido Carmen nos bastidores do Cassino da Urca. Algumas semanas antes de embarcar para a América, em 1939, Carmen deu uma entrevista a “O Cruzeiro” em sua casa, no Rio.

Quando o papo acabou, o desenhista fez uma série de sugestões para renovar o guarda-roupa da cantora. Adicionaria, segundo disse depois, “saias multicolores, os turbantes fantásticos e os sapatões de sola grossa”.

Em 1941, Alceu caiu de paraquedas em outro fato histórico importante: a vinda do produtor e animador Walt Disney ao Brasil, como parte da política de boa vizinhança dos EUA na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial.

 

A legenda da foto de Alceu conversando com Disney antes da seção do filme “Fantasia”, publicada em “O Cruzeiro”, informava que ele fora encarregado pelo Itamarati de ser o tradutor de Disney nos dias em que ele passou no Rio de Janeiro.

MOCASSIM

Não fosse Alceu, quem sabe Millôr Fernandes teria se aposentado em outra profissão? Em 1937, Millôr tinha 13 anos e, por indicação de um tio, foi trabalhar em “O Cruzeiro” como ajudante gráfico.

Como havia muito trabalho –”O Cruzeiro” e os quadrinhos de “O Globo Juvenil” “”, Alceu chamou Millôr para que ele o ajudasse no acabamento das histórias em quadrinhos e da coluna “As Garotas”. Ao mesmo tempo, teria a oportunidade de aprender a desenhar, com dicas de esboço e arte-final.

“Passava algumas horas por dia, duas ou três vezes por semana, preenchendo o fundo dos seus desenhos”, lembrou Millôr, anos mais tarde. “Não foi muito tempo, mas foi tempo de encanto e medo. Você não imagina o pavor que eu tinha de errar tudo, inapelavelmente.”

Nesse convívio, Millôr viu nos pés de Alceu, pela primeira vez nada vida, um calçado elegante e revolucionário chamado mocassim. Millôr se lembraria do amigo “com uma educação (modos e maneiras) absolutamente esmerada e temperamento invejável. Uma qualidade nunca a desprezar: um homem belíssimo”. Para ele, a tônica de Alceu, no trabalho e na pessoa, estava na delicadeza.

ESTILISTA

Com dificuldades para importar material jornalístico da França durante a guerra, o editor de “O Cruzeiro” pediu que Alceu criasse modelos para as leitoras. Como estilista, assinou figurinos de famosas montagens do Cassino da Urca, do Rio, e do luxuoso Hotel e Cassino Quitandinha, de Petrópolis.

A partir de 1946, passaria seis meses por ano em Paris, de onde mandava as últimas tendências da moda. Alceu se tornou absoluto como referência na década de 1950, quando virou a principal atração da revista feminina “A Cigarra”. Noivas de todo Brasil, ricas e pobres, pediam-lhe desenhos de vestidos.

Ele atendia a todas. E jamais cobrou um centavo pelos modelos. Bastava-lhe a alegria de ver uma jovem subir ao altar com uma criação sua.

Seus figurinos, por anos, estamparam as capas da revista “Tricô e Crochet”, da fabricante de fios Moinho Santista.

Lojas de tecidos ofereciam a seus clientes folhinhas de calendário com as pin-ups de Alceu, cada vez mais ousadas e sensuais. Natural, portanto, que vestisse Martha Rocha no Concurso Miss Universo, em 1954. Está tudo registrado nas páginas de “O Cruzeiro”.

Seu reinado se estendeu pelos anos de 1960 devido a outro feito notável: eram dele figurinos dos monumentais eventos de moda e musicais da Rhodia ao longo de toda a década. Os desfiles percorreram passarelas da Europa (Roma, Paris), Ásia (Hong Kong e Beirute), EUA (Nova York) e depois quase todas as capitais brasileiras, sempre em espetáculos beneficentes.

Os espetáculos traziam shows de revelações que surgiam na época, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes. Na música também, como se vê, Alceu deu certo empurrãozinho na história cultural brasileira.

O Cruzeiro e as Garotas

Autoras: Carla Bassanezi* Leslye Bombonatto Ursini**

No Brasil da década de 50, a revista O Cruzeiro se destacava como um dos meios de comunicação mais importantes da época.1 Primeiro lugar entre as revistas no IBOPE durante toda a década, presente nos lares de classe média urbana e lida por toda a família – reproduzindo e construindo valores –

O Cruzeiro trazia suas versões e propostas sobre a juventude e os significados de gênero de seu tempo. Nesta revista, a juventude geralmente aparecia em matérias e artigos amenos tais como cobertura de bailes e de festas escolares, crônicas sobre a diversão nas praias, eventos esportivos, concursos de beleza e fotos de modelos (moças sedutoras, mas bem comportadas), atividades de rapazes atléticos (cadetes, estudantes brasileiros e americanos), e entrevistas com garotas bonitas e educadas (geralmente de elite). Reportagens sobre jovens rapazes em atitudes de protesto (contra aumentos nas tarifas de bonde, contra arbitrariedades na Faculdade de Direito etc), apesar de bem raras, também tinham um certo espaço na revista. A ideia da “juventude-problema”, amoral, sujeita a vícios, radicalmente rebelde, assustadora, praticamente não aparecia nas páginas de O Cruzeiro. Uma exceção foram as matérias sobre o “caso Aída Curi” (ago.- set. 1958). Antes deste episódio, a expressão “juventude transviada” havia sido usada referindo-se a * Mestre em História Social pela USP, doutoranda da área de Família e Gênero – UNICAMP. ** Mestranda em Antropologia Social – UNICAMP. 1 Em seu auge nos anos 50, O Cruzeiro chegou a uma tiragem de setecentos mil exemplares incluindo os duzentos e cinqüenta mil que iam para outros países como Argentina e Portugal. O cruzeiro e as garotas 244 meninos pretinhos favelados que desceram do morro para fazer pequenos furtos e ao personagem de James Dean, consagrado pelo cinema. Com a atenção voltada para a história da morte de Aída Curi, o termo “juventude transviada” passou a referir-se a certos tipos de “delinquencia” cometidas por jovens de classe média e alta (e mesmo uma predisposição para tal) propiciada pela má educação, falta de religiosidade, moral duvidosa e pela convivência com bebidas, drogas e más companhias. A cobertura d’A morte trágica da estudante Aída Curi, vítima inocente da sanha criminosa de jovens delinquentes de Copacabana (que quiseram violentá-la) não foi completa ou detalhada (esta tarefa cabia aos jornais e aos rádios), mas nos revela alguns aspectos significativos dos valores e práticas da época: – a virgindade como uma garantia de pureza, inexperiência e honra de uma jovem (a ser defendida com a vida se preciso fosse) e prova definitiva de que a moça merecia respeito, consideração e justiça; – a preocupação da Igreja católica e dos setores mais conservadores, incluindo articulistas da revista, em fazer deste caso um baluarte da luta contra os comportamentos considerados rebeldes de certos jovens (meninos e meninas que bebem cuba-libre, freqüentam o “Snack Bar” em Copacabana, usam blusa vermelha e blue jeans, mentem para os pais, cabulam aula, não pensam no futuro e não têm base moral para construir um lar). A força de uma história trágica como esta, tomada como exemplo e incorporada ao discurso disciplinar das jovens da época (nas famílias, nas escolas, nas igrejas), permaneceu na memória de muitos contemporâneos até hoje.

Leia mais: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1770

Moda anos 50 por Alceu Penna e Boneca Barbie

Moda anos 50 por Alceu Penna e Boneca Barbie

 http://anacaldatto.blogspot.com
Boneca Barbie e Moda e Alceu Penna
Dois assuntos que tenho “pouco” conhecimento mas aprecio muito
Barbie e Alceu Penna algo em comum:
encontrei recentemente entre pertences da Familia a revista nº 36 Tricô e Crochê  Maio- Junho de 1950 capa ilustrada com desenho do Estilista Alceu Penna:
 deparei-me com belos desenhos de Moda do Estilista Alceu Penna,
 os desenhos que recorda o perfil da Boneca Barbie de 1959:
Minha visão de Barbie e Alceu Penna:
Moda anos 50
Desenhos A Ultima Moda por Jaqques Fath e Christion Dior em 1950,
Modelos de Jaqques Vestido em Pied de poule com debruns em veludo marcante na coleção.
Mossouline tecido tendencia na primavera de 1950, vestido com pregas nas horizontais.
Colarinho divertido e original das criações de Fath:
“Eu desenho roupas para mulheres-flores, com ombros arredondados, bustos empinados e cinturinhas finas marcadas por saias ultrarodadas”. A frase dita por Christian Dior descreve bem seu revolucionário New Look, lançado em 1947.
De  Dior:
O Tailler em fil a fil gris com gola em fustão com cintura baixa que lembra a silhueta de “la Garcone”   ou cintura de garçonete.
Saia em shantung que espande em Godês.
 Vestido modelo crepe amarelo é plissado na frente e soleis nas costas, decote em ferradura:
Coleção Inverno Paris 1950:
Moda Inverno Paris de 1950 mandava Tailleurs elegantissimos com Estilistas Fath, Bruyére, Balenciaga, Manguin, Dior e Lanven:
Jaqques Fath com Modelos em “pied de poule” com debruns de veludo.
Bruyére  Modelo em Gabardine com muitos botões e casaco trespassado.
Balenciaga com modelo em lã tailleur Havana com bolsos baixos.
Manguin com Tailler Beije, crusado com bolsos efeito petalas.
Dois Vestido de Lanven em alpaca abotoado em blusa de piquê.
Vestido de Christion Dior é de Jersey vermelho com bolsos de feitio militar tomando toda a frente da saia:
Sugestões de modelos do Estilista Alceu Penna para inverno de 1950,
casaco vermelho com mangas em ponto sanfona, flanela branca e tricô marinho,  Sueter com barrra em Lã Grossa, decote fundo terminando em eclair,:
Moda Garotas do Clube por Alceu Penna Estlista para a revista Cruzeiro 1956:
 ilustração Moda E CHAPELARIA anos 50 do Estilista Alceu Penna:
  momento Nostalgia da Ana
edição Trico e Crochê de 1950 entrevista com Betth Davis:
Propaganda antiga –  Tormento Pó de arroz Poema da cor:
propaganda antiga regulador Xavier:
propaganda antiga Valisere:
 Boneca comemorativa aos 50 anos da Barbie e  Outras foto coleção Barbie click AQUI:

   (Editando o post  em 2013)
Quando fiz a postagem em 2011   notando a grande semelhança da Barbie Vintage Mattel com desenhos do estilsita  Alceu Penna   eu jamais imaginaria que a Mattel teria um lançamento de uma Barbie Alceu Penna  a Boneca Barbie Brazilian Banana Bonanza por Bob Mackie:

outras Bonecas Barbie Tipicas Brasileiras que mantenho em minha Coleção

O artista gráfico Alceu Penna na Revista O Cruzeiro: apropriações e ressignificações da moda européia e a representação da mulher (1940-1950)

The graphic artist Alceu Penna in the magazine O Cruzeiro: appropriation and reinterpretation of European fashion and the representation of woman (1940-1950)

Claudia Schemes, Denise Castilhos de Araujo

Resumo

Este artigo procura realizar algumas reflexões acerca do trabalho do artista gráfico Alceu Penna e sua colaboração na revista O Cruzeiro, nas sessões Garotas do Alceu e Moda, nos anos 1940 e 1950. Buscou-se observar de que forma o artista ressignificou a moda produzida na Europa, através de seus desenhos, bem como verificar como a mulher brasileira foi representada no período pelas produções de Penna. Podem-se tomar as produções do artista como objetos de análise, pois são representativas dos períodos históricos nos quais foram elaborados, uma vez que se tornam formas simbólicas, considerando-se como referencial teórico-metodológico a Hermenêutica da Profundidade, de J.B. Thompson. Palavras-chave Alceu Penna; Revista O Cruzeiro; Mulher; Moda.

Abstract

This article tries to make some reflections about the work of graphic artist Alceu Penna and his collaboration in the magazine O Cruzeiro, in sessions of Alceu Penna and Fashion in the years 1940 and 1950. We attempted to observe how the artist re-signified the fashion produced in Europe, through his drawings, as well as verify the Brazilian woman was represented during the productions of Penna. It´s possible to take the productions of the artist as objects of analysis because they are representative of historical periods in which they were made since become symbolic forms, given as a theoretical and methodological hermeneutics of depth, JB Thompson. Keywords Alceu Penna; O Cruzeiro Magazine; Woman; Fashion.

1. Introdução

Alceu de Paula Penna (1915-1980) nasceu em Curvelo, pequena cidade em Minas Gerais, e desde criança demonstrou talento para o desenho ingressando na Escola de Arquitetura no Rio de Janeiro e mais tarde no curso de Belas Artes, que era sua verdadeira vocação. Iniciou seu trabalho de ilustrador no suplemento infantil de O Jornal, de Assis Chateaubriand, em 1932 e logo em seguida se tornou colaborador da revista O Cruzeiro (1928-1983), semanário de grande circulação do mesmo proprietário e um dos mais importantes do país. Esta revista ilustrada possuía uma tiragem de 50 mil exemplares e foi a primeira a circular nacionalmente. Trabalhou, também, como ilustrador e desenhista de histórias em quadrinhos de O Globo Juvenil e na revista A Cigarra. Nesse mesmo período e nos anos seguintes Alceu trabalhou no Cassino da Urca, onde ilustrou cartazes, cenários para shows, figurinos, decorações e fantasias para bailes de carnaval. Passou a participar de diversos concursos de fantasia e ganhou vários prêmios, além de produzir alguns trabalhos para publicidade. No ano de 1938, quando já havia abandonado a faculdade de Belas Artes, criou para a revista O Cruzeiro a coluna Garotas do Alceu, inspiradas nas pin-ups americanas. Essas personagens eram a “expressão da vida moderna” (NETTO, 1998, p.125) e, segundo Penna (2010) o traço que as caracterizava estava no limite entre o sensual e o lúdico. Com essas personagens, segundo Gontijo (1987, p.74), “o artista marcou época com a elegância e atualidade de seu traço, influenciou todos os demais desenhistas de moda que o seguiram e ditou um padrão estético e de comportamento para as jovens de sua época”.

2. Metodologia de análise – Hermenêutica da Profundidade

A fim de verificarmos a relação entre moda, representação da mulher e a produção gráfica de Pena, será realizada a análise de algumas imagens selecionadas da produção do artista, publicadas na Revista O Cruzeiro, a qual se dará através do uso da Hermenêutica de Profundidade de Thompson1 (2002), uma vez que os textos a serem discutidos podem ser caracterizados como fenômenos culturais, que, para este teórico, constituem-se em ações, objetos e expressões significativas, as quais o autor passa a nomear por “formas simbólicas”.

Para Thompson: Enquanto formas simbólicas, os fenômenos culturais são significativos assim para os atores como para os analistas. São fenômenos rotineiramente interpretados pelos atores no curso de suas vidas diárias e que requerem a interpretação pelos analistas que buscam compreender as características significantes da vida social (THOMPSON, 2002, p.181).

Assim, diante dessa consideração, serão utilizadas as três etapas sugeridas por este autor, ou seja, inicialmente, a análise sócio-histórica, a seguir uma 1O termo Hermenêutica de Profundidade será, eventualmente, substituído por HP nesta pesquisa. 59Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011 análise formal ou discursiva e, finalmente, a interpretação/reinterpretação do texto observado. Para o autor, há a necessidade de uma análise que explore as várias facetas de uma mesma produção simbólica, pois não é possível fazer-se a análise de um aspecto somente, porque o objeto trará consigo elementos pertencentes ao momento de sua produção, os quais criam significação, além da possibilidade do próprio leitor estabelecer a sua, a partir dos elementos disponibilizados pelo autor da “forma simbólica”. A primeira fase sugerida pelo autor é a análise sócio-histórica, porque, segundo Thompson (2002), as formas simbólicas, como os desenhos criados por Penna, são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas, ou seja, as produções refletem as situações espaço-temporais, seus campos de interação, sua ideologia, para legitimação da análise. Esse processo passa, em um primeiro momento, pela análise das situações espaço-temporais em que as obras são produzidas e recebidas. Segundo Thompson (2002), a HP reforça o fato de que os indivíduos estão vinculados em um mundo social, em tradições históricas e que são parte da história, tanto sua racionalidade, quanto sua ideologia. Suas construções estão baseadas em construções pré-existentes, ou seja, ao que veio antes, até mesmo a fim de reconhecer o que é novo, em oposição ao já visto. E, para este autor, é a análise que deve recair sobre este importante aspecto, conferindo legitimidade à própria História. O autor menciona, também, a necessidade de serem observados os campos de interação, que são espaços de posições e conjuntos de trajetórias, que determinam as relações entre pessoas e algumas das oportunidades acessíveis a elas, consideradas por Thompson como capital, regras, convenções, esquemas flexíveis, que é o conhecimento. Outro nível da análise refere-se às institui- ções sociais, que são conjuntos que demonstram certa estabilidade de regras e recursos, conjuntamente com as relações sociais estabelecidas por essas instituições e, assim, criam a possibilidade de observar a estrutura social, determinando as características – assimetrias, diferenças e divisões.

Outro aspecto relevante a ser analisado é o formal ou discursivo, no qual o pesquisador pode levar em consideração uma análise que perpasse pelos campos da conversação, da sintaxe, dos elementos narrativos e argumentativos. A observação dos aspectos mencionados “[…] pode ajudar a realçar algumas das maneiras como o significado é construído dentro das formas quotidianas do discurso” (THOMPSON, 2002, p.373).

Finalmente, o último nível de análise apresentado por Thompson é o da interpretação/reinterpretação, que sugere a possibilidade, a partir da observação dos resultados das duas fases anteriores, “um movimento novo do pensamento”, o desvelamento de novos significados da produção simbólica. Segundo o autor da HP: “Os métodos podem ajudar o analista a ver a forma simbólica 60 de uma maneira nova, em relação aos contextos de sua produção e recepção à luz dos padrões e efeitos que a constituem” (THOMPSON, 2002, p. 375). Segundo o próprio autor, a interpretação não se esgota em si mesma, porque ela transcende para aquilo que ele chama como reinterpretação, uma vez que o objeto já foi interpretado em um momento anterior, até mesmo pelo próprio produtor. Thompson menciona ainda no seu método de análise a possibilidade da verificação de relações de dominação, dentro do contexto de produção das formas simbólicas, especificando que essas relações baseiam-se principalmente em divisões de classe, gênero, etnia e estado-nação, fazendo parte das diferenças existentes nas instituições sociais e nos campos de interação. O autor sugere ainda que essas relações de dominação possam ser mantidas pelas formas simbólicas, em situações específicas (THOMPSON, 2002).

3. Análise sócio-histórica e formal-discursiva

Para a elaboração deste artigo foram selecionados alguns textos de Alceu Penna, retirados da Revista O Cruzeiro, das décadas de 1940 e 1950, a fim de que se verifique o papel exercido pelo artista na ressignificação da moda produzida na Europa da década de 1950, bem como a representação da mulher dessa época pelo artista. Para tanto, buscou-se material em duas sessões da Revista O Cruzeiro: Moda e Garotas do Alceu.

A seção denominada As Garotas do Alceu difundia um novo comportamento para a mulher, não só na vida privada, mas também na pública. Elas foram inspiradas na mulher carioca, urbana e da classe média, grupo em ascensão que estava com suas possibilidades de consumo aumentadas. Além disso, nos anos 1950 os jovens assumiram um novo comportamento, com uma vida social mais intensa. Para Penna (2007), “[…] é bastante perceptível nos trajes das “Garotas”, que assim como as cariocas, identificaram-se com o estilo casual wear contribuindo para a adaptação da estética e de comportamento das leitoras […]”.

Essas personagens vinham ao encontro de uma sociedade que estava se industrializando e urbanizando cada vez mais, que estava assumindo uma identidade moderna.

As Garotas representavam o contraponto da mulher bem comportada da época, eram mais descontraídas, alegres, ousadas e independentes, embora não representassem uma ruptura total com a ideia da mulher-mãe e esposa.

Podemos perceber esse conflito entre a mulher-moderna e a mulher mãe-esposa, em vários momentos, como no texto intitulado “Garota, você quer me levar no quadro?” de A. Ladino que fazia parceria com Alceu Penna na seção “As Garotas do Alceu”:

61Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011

Entre as distrações mais inocentes das garotas a bicicleta tem lugar de relevo. Montadas numa bicicleta, as garotas formam um quadro sempre pitoresco. Principalmente quando encontram um gaiato para se encarapitar no quadro de sua máquina. O que vale é que nunca falta o freio. Na bicicleta, bem entendido […] (Revista O Cruzeiro, 17.04.1948, p.23)

A garota aí representada era liberal o bastante para se “encarapitar no quadro” da bicicleta de algum rapaz e a alusão à “falta de freio“ demonstra a malícia através da linguagem com duplo sentido. Em outro momento, entretanto, o modelo mãe de família é expresso explicitamente, como no artigo “Oração das garotas a Santo Antônio”:

Meu Santo Antônio querido, Aos seus pés venho rezar Com fervor mais decidido, Com devoção exemplar, Mas vou fazer-lhe um pedido que você vai desculpar, Eu preciso de um marido Eu preciso ma casar! […] (Revista O Cruzeiro,20/06/1948, p.28)

Um fato importante na carreira de Alceu Penna foi a sua tentativa de fazer carreira nos Estados Unidos, anos depois de criadas as Garotas. Naquele país, o desenhista assumiu uma nova função: a de consultor informal de moda de Carmen Miranda que fazia sucesso em terras americanas. Mesmo sua estada durando apenas dois anos, Alceu voltou ao Brasil como um grande difusor de moda, costumes e hábitos norte-americanos entre a juventude brasileira.

Sem abandonar a influência francesa da moda até o começo da guerra, o ilustrador não apenas dita formas de vestir e de comportamento como populariza um biótipo específico de beleza: o da mulher de cintura fina, quadris reduzidos, pescoço longo e afinado, nariz afilado e olhos puxados. […] Para ele, suas personagens materializam o sonho da mulher ideal: bonitas, atrevidas, inteligentes […] Ou seja,“As Garotas” significam a expressão da vida moderna. Por tudo isso, quantas mulheres não se vestem, gesticulam ou “pensam” como as garotas do Alceu? (JUNIOR, 2004, p.81,82).

Alceu Penna, entretanto, não foi apenas ilustrador, mas, também, criador de moda. Como repórter de moda e comportamento, além de grande apreciador do vestuário feminino, ele criou muitos modelos que eram copiados em larga escala pela população leitora das revistas em que trabalhava. É importante salientar que os desenhos d’As Garotas sempre vinham acompanhados de um pequeno texto.

Portanto, a partir dos anos 1940 Alceu se tornou uma referência na moda nacional, principalmente através das fantasias de carnaval criadas por ele e desenhos de roupas de gala, festa ou casamento. As famílias ricas do Rio de Janeiro não prescindiam de seus modelos para as festas mais luxuosas, modelos esses que não eram cobrados. 62

Alceu não era apenas um divulgador da moda, mas um pesquisador que buscava informações e detalhava os tecidos, as cores e as tendências para cada estação. Segundo Gonçalo Junior, nesse ambiente de glamour, o nome de Alceu circula como uma grife e seu estilo de desenho se dissemina formando quase que uma escola.

Com a Segunda Guerra Mundial e a ocupação da França as informações relacionadas à moda deixam de chegar ao Brasil, o que passa a ser um problema para a revista O Cruzeiro, que tinha na moda francesa suas referências. Alceu, então, é convidado pelo editor da revista e assumir as páginas de moda buscando referências principalmente nos Estados Unidos que ainda não estavam na guerra.

A partir de 1945, Alceu torna-se parceiro, durante sete anos, da S.A. Moinho Santista Indústrias Gerais, indústria de tecidos que elaborando folhinhas para serem distribuídas pelo país, além de lhe ter sido confiada toda a produção da revista Tricô e Crochê, onde ele escolhe as roupas que serão mostradas pela revista bem como as modelos e fotógrafos.

Alceu, aos poucos, deixou de lado a inspiração nos modelos norte-americanos e passou a criar modelos próprios mais voltados ao gosto da brasileira, especialmente para bailes de carnaval de clubes de elite e festas juninas.

No final da guerra, Alceu fez sua primeira viagem à Europa, com recursos pró- prios, como correspondente de moda em Paris da revista O Cruzeiro. Lá, ele entrou em contato com o mundo da moda, principalmente através de desfiles, mas chegou à conclusão de que a mulher brasileira tinha um charme único e inigualável, mas, mesmo assim, acreditava que não havia ninguém no Brasil que tinha prestígio suficiente para criar algo diferente do que era feito em Paris, principalmente por seu figurinista preferido: Christian Dior.

Nos anos 50, de volta ao Brasil, Alceu, que já era referência para a moda nacional, se torna um de seus mais importantes especialistas e críticos, escrevendo vários editoriais de moda.

  

A Figura 1, retirada da sessão de moda da Revista O Cruzeiro, revela a participação do artista Alceu Penna não só na criação das Garotas do Alceu, mas na elaboração de textos e desenhos mostrando modelos com as tendências da moda da época. Esse fato permite afirmar que o artista mantinha estreita relação com a moda, pois caracteriza os modelos ao apresentá-los às leitoras. Além disso, Penna (2010) afirma que “a coluna ilustrada levou milhares de leitoras a copiarem a moda, os gestos, penteados, e até mesmo a maquiagem das ‘garotas’(PENNA, 2010, p.20). Sabe-se, também, que Alceu serviu como consultor de Carmem Miranda, no que diz respeito à elaboração de seus figurinos (PENNA, 2010). 63Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011

Na imagem mencionada são apresentados quatro modelos com roupas distintas, mas tendo em comum o debrun (galão), ou seja, a presença de fitas para arrematarem decotes, barras, mangas, bem como para elaborar certos desenhos. São trajes compostos por casacos, e boleros, saias ou vestidos; as modelos ainda usam chapéus e luvas. Ao lado de cada fotografia vê-se a presença de textos que explicam os visuais, bem como nomeiam a estilista – Nina Ricci. Os parágrafos mencionam, também, as cores das roupas, e, ao final, há juízos de valor: “bonito modelo”, “muito elegante”, “bonitos efeitos”.

Percebe-se, então, que Penna é autorizado pela revista para opinar a respeito dos modelos expostos na sessão, ele coloca-se como um perito, o qual traduz e opina a respeito dos modelos expostos, pois revela à leitora o material com que a roupa é feita, para, em seguida, dizer a essa leitora seu julgamento a respeito do que vê. Tal julgamento, talvez se revele como um aval para as leitoras usarem as roupas apresentadas, pois tinham em Penna a confiança no seu conhecimento e proximidade com a moda.

Para Penna, A coluna, mesmo ostentando as linhas da moda dos EUA, também privilegiava o bom gosto francês. Essa moda, diferentemente da norte-americana, seguiu linhas distintas de elegância. A alternância de influências será uma característica constante nos anos de vigência da coluna (PENNA, 2010, p. 76).

Com suas apreciações, o artista reforça, para suas leitoras, a classe e o requinte que os modelos franceses têm, persuadindo-as do fato. Observa-se, então, na imagem selecionada, uma mulher recatada, esguia, a qual tem grande parte de seu corpo coberto, pois usa casaco, saia, luvas e chapéu; ou seja, estão à mostra somente as pernas, mas dos joelhos para baixo. Esse figurino pode, conotativamente, significar o decoro que se esperava que as mulheres da época mantivessem.

Ainda vê-se na época uma mulher muito voltada para os afazeres do lar, para a família, podendo-se afirmar que a roupa representaria esse aspecto, mostrando a necessidade de o corpo feminino não ser exposto de forma exagerada, para a época. Por outro lado, a mulher, na década de 1950, passou a apresentar maior participação no mercado de trabalho, principalmente no comércio, em escritórios ou em serviços públicos, como professoras, enfermeiras, funcionárias burocráticas, médicas, assistentes sociais, vendedoras; e, com isso, houve a exigência de nível de escolaridade maior, provocando mudanças no status social dessas mulheres.

Por outro lado, as mulheres continuavam sendo vistas como donas de casa e Figura 1- Debruns da Revista O Cruzeiro. 64 mães, pois se imaginava que indo trabalhar fora de casa, essa mulher deixaria de fazer seus afazeres de maneira que se esperava (BASSANEZI, 2009).

Diante dessa nova realidade (trabalho fora de casa), as revistas femininas passaram a enfatizar a necessidade das mulheres manterem boa aparência, boa reputação e continuar revelando-se femininas (BASSANEZI,2009). As tendências de moda, então, são sugeridas pelas revistas femininas, como ilustrado pela Figura 1.

Outra sessão da revista que tinha a participação de Alceu chamava-se Garotas do Alceu, na qual o artista apresentava seus desenhos, normalmente combinando moda e comportamento, com textos elaborados por outros profissionais, conforme ilustra a Figura 2.

Na Figura 2, vê-se que Penna reafirma a presença dos debruns nas roupas femininas, sugerindo na sessão de moda da revista da mesma edição. Nessa imagem, seu ponto de vista é reforçado, pois seus desenhos revelam a maneira como o artista percebe a moda, especificadamente os debruns, os modelos e os comprimentos das saias.

Ele apresenta seis desenhos, três em cada página da revista. Na página da esquerda, Alceu expõe um modelo de casaco branco até a altura dos joelhos, um conjunto de vestido e bolero e um tailleur (casaco e saia). As cores utilizadas pelo artista são branco, azul e vermelho com preto. Nos três modelos as mulheres usam luvas (revelando-se acessórios para ocasiões formais) e duas delas vestem, além das luvas, chapéus e sapatos de salto alto. Na página da direita, outras três figuras femininas, também vestindo conjuntos de saia e casaco, chapéus e salto alto. Vê-se a feminilidade expressa através de peças de roupa como as saias e os vestidos; apesar de a calça já fazer parte do figurino feminino, ela não é apresentada no editorial.

Os desenhos, então, reiteram o perfil feminino esperado na época, mulheres esguias, com figurino bem cuidado, cabelos curtos e arrumados. Para Bassanezi (2009), a mulher da década de 1950 ainda mantinha-se dentro de uma moral sexual forte, e o seu trabalho era subsidiário ao trabalho masculino, que se mantinha como o “chefe da família”. Além disso, em virtude do final da guerra, mesmo as brasileiras sofreram a influência de campanhas publicitárias estrangeiras incentivando a volta das mulheres ao lar, a fim de cuidar da casa, do marido e dos filhos.

Essas mulheres também deveriam apresentar características que se pensavam intrínsecas a elas, como o instinto materno, a pureza, a resignação e a doçura. (BASSANEZI, 2009). Características que podem ser identificadas nos desenhos de Penna, através das cores (tons pastel: rosa, azul; e do branco), e dos cortes das roupas. Apesar de se aproximarem dos corpos, são modelos que não evidenciam as formas femininas, reiterando, assim, a necessidade de não revelar essa mulher, apenas vesti-la com elegância e decoro. 65Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011

Apesar de serem ilustrações, observa-se a preocupação em dar movimento às mulheres da ilustração, indicando, talvez, o próprio movimento que as mulheres estavam iniciando, saindo de casa e indo para o espaço público. Além disso, as roupas que as mulheres usam condizem com esse movimento, são trajes mais curtos, permitindo livre movimentação por parte das mulheres, ou seja, elas precisavam de roupas que permitissem não só a expressão de determinadas características (doçura, pureza,…), como deveriam estar prontas para as atividades que fazem parte do dia a dia feminino. Segundo Penna (2010),

O corpo e a moda das Garotas do Alceu, dotadas de poder comunicativo, evidenciam, em parte, a realidade vivenciada pelas moças contemporâ- neas à coluna, que viviam sob o comando de uma sociedade patriarcal. Mesmo refletindo o universo das leitoras de O Cruzeiro, a coluna, ao mesmo tempo em que se aproxima dessa realidade, parece dar pistas de certos avanços em direção a uma situação menos conservadora para a mulher (PENNA, 2010, p.72).

A situação referida por Penna pode ser percebida na Figura 3, a qual apresenta mulheres preocupadas com a moda, ou seja, alguém que domina ou gostaria de dominar o código de vestir e, através dele, se apresenta à sociedade.

Na Figura 3 são apresentadas cinco mulheres, todas de vestidos, os quais são de modelos e de cores diferentes. É possível observar que quatro das cinco mulheres usam os sapatos nas cores dos vestidos. É importante observar que nesse desenho as mulheres revelam partes de seus corpos que antes não revelavam: os braços, o colo, as mãos. Isso pode evidenciar a proximidade com as mudanças que viriam ocorrer no final da década seguinte (movimento feminista, por exemplo).

Outro aspecto que merece destaque são as cores utilizadas nos desenhos, são vibrantes, fortes, diferenciando-se dos tons observados anteriormente. O texto que acompanha a figura fala que “[…] a moda é importante, já que as faz tão bonitas e tão felizes, os homens acabam por se render”. Relacionando-se imagem e texto, observa-se que a mulher, nesse momento, deve seduzir o homem, por seus dotes ou pelos vestidos que usa. Ou seja, há o reforço da necessidade da presença masculina na vida das mulheres, talvez, por isso, o revelar de algumas partes do corpo antes não tão expostas.

Na Figura 4 é apresentada a linha “diretório”, ou seja, a cintura alta, a qual, segundo texto que acompanha a imagem, é o novo decreto de Paris. Nos pará- grafos que acompanham as modelos há a descrição dos modelos, dos tecidos e das cores.

Figura 2 – A beleza dos debruns da Revista O Cruzeiro 66

O interessante nesta figura é atentar para as poses e o gestual das modelos, aspectos que reforçam a fragilidade, a delicadeza, a discrição que a mulher deveria expressar nesse período.

Para Bassanezi (2009, p. 612), “Ficava mal à reputação de uma jovem, por exemplo, usar roupas muito sensuais, sair com muitos rapazes diferentes ou ser vista em lugares escuros ou em situação que sugerisse intimidades com um homem”.

As fotos demonstram preocupação com essas mulheres, sendo elas modelos, deveriam ser consideradas o guia para as demais, ou seja, as leitoras. Elas (modelos) expressam ar de ingenuidade, até mesmo de infantilidade, são sorrisos contidos.

Além das expressões faciais contidas, observa-se que todas elas usam luvas, reforçando, mais uma vez, a formalidade, podendo significar o distanciamento que a mulher deveria manifestar.

4. Interpretação/Reinterpretação

Após a observação das imagens apresentadas, pode-se verificar que o artista plástico Alceu Penna demonstrou preocupação em revelar a mulher da época, reiterando os traços femininos desejados e sugeridos pela mídia (revistas femininas).

Por outro lado, ao observar as “Garotas do Alceu”, também é possível identificar elementos que destoam das características sociais desejadas para uma mulher das décadas de 40 e 50. As imagens do artista representam mulheres muito mais descontraídas, preocupadas com futilidades (os textos que acompanham as imagens mostram esse aspecto), as quais se valem da moda para revelarem sua beleza, jovialidade e descontração.

Os desenhos parecem representar uma mulher que viria na década seguinte, muito mais independente, despreocupada com as orientações que a sociedade impingia, revelando seus desejos, gostos, reforçando sua independência.

Pode-se ler as produções de Penna (editoriais de moda e Garotas do Alceu) como reflexos de uma sociedade em transformação, mas que mantinha ainda arraigados uma série de valores morais, os quais parecem ser mais presentes nas fotografias e menos reforçados nos desenhos do artista.

Enquanto a maioria das seções de moda veiculadas nas revistas nacionais nos anos 1940, atinha-se a apresentar as novidades da moda internacional, Alceu Figura 3 – As garotas dão aula de moda, Revista O Cruzeiro. 67Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011 Penna foi além e passou, pouco a pouco, a delinear, através de seu trabalho nessa seção, as primeiras linhas de uma visualidade brasileira na moda e nas aparências. O ilustrador não se lançou imediatamente na elaboração de modelos inéditos e com a “cara do Brasil”, mas foi, pouco a pouco, abrindo algumas brechas para a discussão desse tema.

A partir da análise da vida de Alceu Penna, podemos concluir que este artista gráfico ressignificou a moda brasileira e pode ser considerado um dos construtores de uma incipiente identidade de moda nacional2.

Seu trabalho pode ser considerado um dos referenciais simbólicos que ajudaram a constituir uma identidade de moda no Brasil, pois segundo Crane (2006), para entendermos a construção de uma identidade através do vestu- ário, precisamos compreender como as roupas expressam significado, pois o vestuário é um instrumento de comunicação visual que pode subverter, ou pelo menos intervir num determinado grupo ou na maneira com que esse grupo se vê em relações aos outros. Podemos afirmar, portanto, que a moda no Brasil sempre existiu, mas a moda brasileira, não, ou, como diz Pollak (1992), um “sentido da imagem de si, para si e para outros.”

A moda brasileira, como não tinha uma representação própria, também não era percebida pelos outros. Penna criou essa ideia de pertencimento quando criou personagens que retratavam o estilo de vida brasileira e que tinha como cenário o Rio de Janeiro, cidade símbolo do país. A memória coletiva da sociedade brasileira, principalmente dos anos 1940 e 1950, foi marcada pelas Garotas do Alceu e seu estilo de vida.

Para Ziraldo (2007), Alceu fez há mais de cinquenta anos atrás, o que a televisão faz hoje, o que era um “trabalho quase impossível para um desenhista só, mesmo que, à época, significava para o Brasil o que a TV Globo […] significa nos tempos de agora.”

Nesse sentido, Alceu Penna foi um pioneiro, pois ele não apenas criou moda, como inovou com seus modelos, utilizando ou não elementos da nossa cultura, mas influenciou na atitude da mulher brasileira, procurando entendê-la no seu tempo e no seu espaço.

Foi suficientemente destemido, lançando um manifesto já em 1968 em que criticava a ideia da moda como um conceito desvinculado de uma realidade mais complexa e salientava a fundamental importância da moda se relacionar Figura 4 – Na linha diretório, Revista O Cruzeiro. 2 Segundo Pollak (1992, p.5), o sentimento de identidade, […] é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros. 68 com a cultura, a arte e as transformações sociais, ou seja, com a sua contemporaneidade.

Alceu Penna acreditava que a identidade da moda brasileira não estava ligada apenas a seus aspectos culturais, exóticos e folclóricos, ou às “coisas do Brasil”, mas via a moda como um movimento dinâmico, ligado à mulher, ao corpo, à atitude, ao comportamento, à sociabilidade. Através de seu trabalho, ele procurou se diferenciar da moda europeia já fortemente solidificada e que servia de referência aos poucos criadores nacionais. O artista, para Bonadio (2010), esboçou uma “visualidade brasileira” e criou um “estilo brasileiro de moda”.

Referências BASSANEZI, C. Mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORE, M. (org.); BASSANEZI, C. (coord. textos). História das mulheres no Brasil. 9.ed.São Paulo: Contexto, 2009. BONADIO, M.C & GUIMARÃES, M.E.A.Alceu Penna e a construção de um estilo brasileiro: modas e figurinos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 33, p. 145-175, jan./jun. 2010. CRANE, D. A moda e seu papel social. Classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac, 2006. GONTIJO, S. 80 Anos de Moda no Brasil. São Paulo: Nova Fronteira, 1987. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice,1990. JUNIOR, G. Alceu Penna e as Garotas do Brasil. Moda e Imprensa-1933/1980. São Paulo: CLUQ, 2004. NETTO, Accioly. O império de papel: os bastidores de O Cruzeiro. Porto Alegre: Sulina, 1998. PENNA, G. O. Vamos garotas! Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina (1938-1957). São Paulo: Annablume, Fapesp, 2010. _______. Os estilos de vida das “Garotas do Alceu”. Disponível em: Acessado em 05/03/2011 PENNA, A. Texto do manifesto, 1968. POLLAK, M. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.5, n.10, 1992. SERPA, L. A máscara da modernidade – A mulher na revista O Cruzeiro (1928- 1945). Passo Fundo: UPF, 2003. THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 6.ed.Petrópolis: Vozes, 2002. 69Cultura Visual: Salvador, N0 15, Maio/2011 ZIRALDO. Texto escrito para o catálogo da exposição As garotas do Alceu, realizada em julho de 1983 no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Disponí- vel em: Acesso em 12/02/2011

Sobre as autoras

Claudia Schemes é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP/SP) e doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Atua nos cursos de História e Design de Moda e Tecnologia e no grupo de pesquisa Cultura e Memória da Comunidade do Centro Universitário Feevale, em Novo Hamburgo. E.mail: [email protected] Denise Araujo possui Licenciatura Plena em Letras/Português pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1995), mestrado em Semiótica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1997) e doutorado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica (2003). Atualmente é professora titular do Centro Universitário Feevale, no Mestrado em Processos e Manifestações Culturais e nos cursos de Comunicação Social e Design. É membro da Comissão do Mestrado em Processos Culturais, representando o Linha Memória e Identidade. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em imagem, narrativas quadrinizadas, cultura e gênero, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, gênero feminino, mídia, corpo e imagem.

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