Espectros dos anos dourados: imagem, arte gráfica e civilidade na coluna Garotas da revista O Cruzeiro (1950–1964)

Autora:

Daniela Queiróz Campos

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós Graduação em História – PPGH

Espectros dos anos dourados:
imagem, arte gráfica e civilidade na
coluna Garotas da revista O Cruzeiro
(1950–1964)

Resumo
A presente dissertação pretende tecer considerações sobre a coluna Garotas (1938-1964) da revista O Cruzeiro (1928-1974) no período compreendido entre 1950 e 1964. Pretende, em especial, tecer suas tramas narrativas sob a questão da civilidade e da imagem na coluna estudada. A coluna, assinada pelo ilustrador e figurinista mineiro Alceu de Paula Penna, circulou em uma das revistas brasileiras mais emblemáticas de meados do século XX. Foram 2 páginas que ocuparam a revista semanal de Assis Chateaubriand por ininterruptos 28 anos, de 1938 até 1964. O presente estudo se propõe analisar como através da arte gráfica da coluna Garotas se viabiliza a circulação de normas e preceitos de civilidade para jovens mulheres consideradas urbanas, modernas e ousadas no Brasil das décadas de 1950 e 1960.
Palavras-chave: Revista, civilidade, imagem, arte gráfica

Abstract

This present thesis aims to present some considerations about the column
Garotas in the magazine O Cruzeiro, from 1950 to 1964. It focuses, specially, on developing its narrative threads about some key questions, such as civility and image, contained in the studied column. This column, signed by Alceu de Paula Pena, costume designer and illustrator from Minas Gerais (Brazil), circulated in one of the most emblematic Brazilian magazines of the 20th century. These 2 pages were printed on the weekly magazine of Assis Chateaubriand for uninterrupted 28 years, from 1938 to 1964. This study proposes to analyze how through the graphic art of the column Garotas was made possible the circulation of norms and models of civility and manner to young ladies considered urban, modern and bold during the decades of 1950 e 1960 in Brazil.
Key-words: magazine, civility, image, graphic art

Uma das Garotas de Alceu Penna

Alceu Penna

heloisabuarquedehollanda.com.br

É inevitável, para mim, voltar no tempo quando penso em Alceu Penna. Me lembro imediatamente de minha ansiedade, ainda adolescente, esperando O Cruzeiro aparecer nas bancas e eu, correndo as páginas da revista, para encontrar as “Garotas” da semana.  Não só para mim mas para minha geração de meninas que iam ao cinema Rian à tarde e depois iam em grupo tomar sunday de Morango com waffles nas Americanas, Alceu Penna era um modelo de comportamento. Sentíamos suas páginas como modernas, atuais, descoladas. Eram frases, gestos, formas de olhar e seduzir, as

Roupas, chapéus, maiôs, fantasias. Ah! As fantasias de carnaval, fielmente copiadas pelas costureiras do bairro…

 

Dei meu exemplo, porque acho que Alceu Penna marcou, durante os anos 50/60, no Rio de Janeiro e demais capitais do país onde chegava seu traço e seu talento, um estilo de vida contemporâneo, prazeroso, anti-europeu, brasileiríssimo.

Uma influência que exercia não apenas no comportamento e no ethos das camadas jovens femininas, mas que também marcou o conjunto de sua extensa e polivalente atividade criativa. Como estilista, pode-se dizer, sem medo de errar, que Alceu foi o pioneiro na criação de moda no país. Abandonando os traços importados na Casa Canadá, central da moda naquele tempo,

Alceu parte, em vôo livre, para descobrir o que seria o estilo brasileiro de viver e se vestir. E surge aquela sequência fascinante de modelos de noite e de passeio, que interpretam como ninguém as fantasias de sedução e a sonsa elegância da mulher brasileira. E surgem ainda as fantasias de carnaval, puro desejo que transformação em personagens misteriosas, picantes, viajantes, realizando, au grand complet, a função carnavalesca de liberação dos papéis  cotidianos durante os quatro dias de folia. E surgem as variáveis radicalizadas desses caminhos: os luxuosos figurinos de do nosso melhor teatro de revista e as estonteantes  pinups de seu desenho publicitário.

Suspeito, com certa convicção, que nenhum artista brasileiro estudou e atualizou tanto e tão profundamente as possíveis respostas à enigmática pergunta de mestre Freud: “o que querem as mulheres?”

Biografia de Alceu Penna segundo Itaú Cultural

Alceu de Paula Penna (Curvelo, MG, 1915 – Rio de Janeiro, RJ, 1980). Desenhista, ilustrador, figurinista. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1932 e publica seus primeiros trabalhos no Suplemento Infantil de O Jornal. Nesse ano, matricula-se no curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes – Enba e, durante os cinco anos que estuda nessa instituição, freqüenta como ouvinte diversos cursos ligados às artes plásticas. Em 1933, passa a ilustrar a revista O Cruzeiro.

Em 1937, realiza tradução de histórias em quadrinhos norte-americanas, além de adaptar diversos clássicos literários para essa linguagem. Esses trabalhos são publicados no tablóide O Globo Juvenil, lançado em 1937. No ano seguinte, começa a escrever e ilustrar, na revista O Cruzeiro, uma seção intitulada As Garotas, que se mantém ininterruptamente até 1964. Nesse período, As Garotas passa a ser uma referência de moda, estilo e comportamento para o público feminino. Em 1941, depois de algum tempo em Nova York, onde conhece Carmem Miranda (1909 – 1955), passa a dedicar-se à criação de figurinos para os espetáculos apresentados nos cassinos cariocas. De 1946 a 1952, trabalha na execução de uma série de calendários para a empresa Moinho Santista Indústrias Gerais e, paralelamente, na mesma empresa, ilustra a revista Tricô e Crochê e responsabiliza-se por sua publicação. Na década de 1950, desenvolve figurinos e cenários para diversos shows e espetáculos teatrais. Em 1960, por meio de uma parceria estabelecida entre as empresas O Cruzeiro e a multinacional francesa Rhodia, torna-se o responsável pela criação dos figurinos utilizados até 1975 na apresentação das coleções anuais da marca.

Comentário Crítico
Alceu Penna é um dos primeiros a desenvolver a técnica dos quadrinhos no Brasil. Cria para O Globo Juvenil adaptações em quadrinhos dos clássicos da literatura, como O Fantasma de Canterville, Um Yankee na Corte do Rei Arthur, Sonhos de uma Noite de Verão e Alice no País das Maravilhas. Os desenhos são feitos em preto-e-branco e o roteiro é do escritor Nelson Rodrigues (1912 – 1980). Esses trabalhos são publicados entre 1933 e 1939 ao lado de quadrinhos estrangeiros como Mandrake, Fantasma e Brick Bradford. Nos anos 1950, Alceu Penna faz para a revista A Cigarra os quadrinhos Marido da Madame, em que os personagens Gonçalo e Lolita vivem situações do cotidiano de um típico casal de classe média alta da época. O texto é da cronista Helena Ferraz, que usa o pseudônimo “Álvaro Armando”, e apresenta uma série de diálogos escritos em rima, que lembram a literatura de cordel.

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