Por Mario de Almeida
Jornalista, publicitário e escritor.
Enquanto Fernando Pessoa e Orígenes Lessa fizeram da publicidade ofício cotidiano, escritores como Oswald de Andrade e Décio Pignatari levaram para a poesia a linguagem da propaganda. Consta que no time do pontapé inicial do longo periodo no Brasil, no qual só se fazia texto de propaganda em versos, a camisa 10 era do poeta Casimiro de Abreu que, lá por 1860, fez um belo gol para o Café Fama, enquanto curtia a nostalgia da “infância querida que os anos não trazem mais”.
No início do século XX a Confeitaria Colombo, no centro do Rio, era um verdadeiro balcão de pedidos e entregas de anúncios, onde o Príncipe dos Poetas – Olavo Bilac – faturava o suficiente para passar noites e madrugadas vendo e ouvindo estrelas.
Já escrevi sobre duas personalidades que tiveram seu momento de redatores de propaganda: Jorge Amado e Mário Quintana. Chegou a vez de Drummond, cuja participação exige um “nariz de cera”. Esforçar-me-ei (!) para ser breve.
Nos anos 60 do século passado, respondia pela propaganda e promoções da Rhodia, Livio Rangan, um profissional que enxergava muito longe e inovou o marketing da indústria têxtil, promovendo mega eventos com artistas de teatro, da música, figurinistas como Alceu Penna e cenógrafos como Cyro Del Nero.
A partir de uma idéia oferecida pelo Circo Paulistano, Livio produziu o espetáculo Stravaganza, tendo Raul Cortez e Gal Costa como apresentadores. Para se ter idéia do que era um mega evento, conta Cyro Del Nero, hoje mestre de Cenografia da USP:
Stravaganza foi em 1969. Texto do Drummond. Os números circenses eram vestidos pelo Alceu. A cenografia e produção eram minhas. Alceu Penna desenhou os costumes (e deixou comigo os desenhos que pretendo doar para um Museu da Moda se houver um durante minha vida).
Um dos quadros do Alceu era “O enterro do Circo”. Seis manequins entravam de preto como “as viúvas do Circo” e deveríamos arranjar um coche para cavalos negros, igual a um que serviu para procissões fúnebres no sepultamento de governadores e personalidades paulistas. Achei um em Santa Catarina, comprei-o e ele veio para o Ibirapuera.
A Time americana havia estampado em sua capa o nosso palhaço Piolim e resolvemos contratá-lo. O número do Piolim era – ele e um palhaço que lhe fazia escada – a representação de um casal de pássaros. Piolim era a fêmea. O casal se entendia apenas com assobios (pequena latinha entre os lábios) e Piolim fêmea se recusava aos apelos amorosos do macho. Piolim vestia um chou-chou de ballet. Foi um dos números circenses mais líricos que eu já vi, e terminava em casamento com os dois palhaços saindo de braços dados. O público que estivera em êxtase aplaudia aos gritos. O espetáculo era um luxo.
Lívio e eu, depois, ganharíamos placas de agradecimento do sindicato da classe circense.”
No texto de Drummond havia o poema abaixo, uma referência às “manecas” da Rhodia atuantes no show:
Ully, Ully, Lullaby
Vou contigo para a lua
Luarando vais levando
Uma luz leve de linho
De trigal maduro e lã.
Maylu surge de repente
E todos os véus da Ásia
As arômatas do Egito
As musicálias hindus
Florescem na flor do ar.
Ó Zula, que noite azul
Clareia na tua pele
Um mistério que escurece
Quando tento decifrá-lo?
Já se dilata a pupila
Ante a passagem de Mila
Que se pára ou se desfila
Comove o sono da argila.
E Nice, que vem da neve
E da pelúcia mais suave
Incenso, anjinho de nave
Cantando na Lua Nova?
Que não me falte Beatriz,
Jardim moreno de altura
Para me fazer feliz
No meu reino de aventura!
O recibo por esse trabalho está enquadrado, emoldurado e faz parte das melhores memórias do Cyro Del Nero que conta como foi o acerto financeiro:
O recibo que tenho do Drummond é o pagamento de texto para o show na Fenit. Fomos visitá-lo para propor e discutir preço e o Drummond hesitante fez a clássica pergunta:
– Dois mil está bem para vocês?
Não estava. Pagaram vinte mil.
Inté.
Fonte: http://coletiva.net/colunas/2006/02/a-stravaganza-de-drummond/