Carmen Miranda é uma peça-chave na construção da imagem de moda que o Brasil tem no exterior. Em função de sua fama extrema ela criou uma personagem colorida e alegre, que se transformou no sinônimo de brasilidade. Hoje alguns criadores nacionais têm espaço lá fora, contudo, o caráter folclórico gerado pela estrela não foi totalmente substituído. Sua figura é fascinante e está intrínseca no imaginário mundial, por isso não é raro algum estilista revisita-la.
Dentro do espaço dedicado à moda na exposição estavam looks da Salinas, Sta. Ephigênia, Carlos Tufesson e Napoleão Lacerda. Marcas atuais que se inspiraram na artista para criar suas coleções.
A relação da diva com a costura começou cedo. Aos 16 anos aprendeu o oficio quando trabalhou na loja La Femme Chic. Com Madame Boss aprendeu a fazer chapéus, roupas e a cuidar melhor de sua aparência. Logo se tornou uma exímia costureira e, segundo sua recente biografia, ela mesma confeccionava seus figurinos. Em 1933, ela lançou a moda dos casaquinhos masculinos. No ano seguinte, um sapateiro do Catete fez, a seu pedido, os primeiros sapatos plataforma da história. Ela tinha o seios fartos e usava sutiãs que os achatavam.
O traje que a imortalizou foi o de baiana usado em “Banana da Terra” de 1938 – que não deixava ver um umbigo. Dorival Caymi além de compor a música “O Que a Baiana Tem”, assessorou Carmem a compor a fantasia repleta de balangandãs, todos muito bem descritos na letra e tudo isso por cinco dólares – pagos à vista.
Até Carmen Miranda, a fantasia de baiana não era bem vista nos bailes de carnaval porque poderia ser feita de chita e como o Brasil copiava a França, era vista como coisa de ralé.
As roupas que a cantora usava eram pesadíssimas. A saia que usou no filme “Copacabana” foi o Record: pesava 12 quilos. Uma curiosidade: Carmen foi uma das primeiras mulheres a fazer uma cirurgia plástica estética no Brasil. Ela operou o nariz, mas não gostou do resultado.
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Alceu Penna?
Ano passado li o livro “Alceu Penna e as Garotas do Brasil”, publicado em 2004 pelo jornalista Gonçalo Júnior. O título é a biografia do célebre ilustrador da revista “O Cruzeiro”. Uma dúvida surgiu quando entrei em contato com a recente obra de Ruy Castro e vi a exposição sobre a biografada. O desenhista pouco aparece na primeira e não recebe citação na segunda. Contudo, no texto de Gonçalo, Carmen merece um capítulo especial.
Segundo relata o autor, a estrela e o ilustrador ficaram amicíssimos durante uma temporada de ambos nos Estados Unidos. Alceu serviu de intérprete para Carmen e sua banda, o Bando da Lua, além de contribuir com idéias para renovar sua imagem:
“O desenhista faz também uma série de sugestões para ‘renovar’ o guarda roupa da cantora. Adiciona ‘inclusive saias multicolores, os turbantes fantásticos e os sapatões de solas grossas. Desenhei também as suas fantasias quando ela foi para holywood com o Bando da Lua’. Cabe a ele também estabelecer para com os músicos uma mistura no mínimo exótica de fantasia: calça de smoking com sapatos e camisas listradas – então típica dos cubanos. Na cabeça, usariam chapéu panamá. Carmen deve a Alceu também o movimento que se torna uma de suas marcas registradas: o gesto de fazer ondas pela ponta da saia com o braço”. (pág. 68)
Contudo, a amizade de Carmen e Alceu foi breve, mortalmente abalada por uma reportagem publicada por David Nasser, um desafeto da artista. O jornalista divulgou uma biografia, revelando inclusive que a cantora nascera em Portugal Tudo isso de birra por ela ter gravado apenas uma canção de sua autoria e dado preferência para outros compositores, conforme relata Gonçalo Júnior. A estrela cedeu algumas fotos pessoas para Alceu, e essas fotos foram parar nas mãos de Nasser que as publicou maldosamente na revista “O Cruzeiro”. O livro conta que essa briga afetou profundamente o ilustrador – “Até o fim da vida, Alceu dirá aos seus amigos que esse é seu grande pesar”.
Penna assinou durante 26 anos (1938 e 1964) uma coluna que impulsionou as vendas de “O Cruzeiro”. “As garotas do Alceu” como ficou conhecida, eram desenhos de mocinhas bonitas, de corpos bem delineados, valorizados por um traço firme, aliado a cores alegres. A inspiração vinha das pin-ups americanas e seriam como modelo de beleza para as leitoras do semanário.
Foi pelo sucesso de suas meninas que o ilustrador assumiu a editoria de moda da revista nos anos da segunda guerra, em que a informação vinda da Europa, principalmente de Paris, demorava a chegar. A medida foi emergencial, porém, mostrou-se eficaz. O ilustrador passou uma temporada na Cidade Luz, e com a experiência adquirida desenvolveu figurinos para teatro e concurso de Miss. Também criou para Rhodia, que chamava nomes importantes das artes para estampar seus tecidos. Assim, Alceu Penna está entre os grandes criadores de moda brasileiros. E mesmo a dúvida se desenhou ou não para Carmen não tira a importância de sua obra para história da moda brasileira.
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“O Cruzeiro”
A revista o Cruzeiro foi fundada em 1928. Era um dos produtos da empresa Diários Associados do magnata da comunicação Assis Chateaubriand. Foi um grande sucesso editorial. Sua maior tiragem foi de 720 mil exemplares, na edição que cobriu a morte de Getúlio Vargas. A revista acabou em 1975 em função do avanço da televisão e de revistas semelhantes, como a “Manchete”.
O Cruzeiro já está disponível na Internet.
http://www.memoriaviva.digi.com.br/ocruzeiro/
É incrível ver a moda e os costumes da época. Clique e verá “As garotas do Alceu” e Carmen Miranda encaixados no seu tempo.
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Legenda das fotos – de cima para baixo:
1 – Capa do livro “Carmen” de Ruy Castro – Submarino
2 – Desfile Salinas/ Verão 2006 – Terra Moda
3 – Cartaz do filme “Banana da Terra” – Museu Virtual Carmen Miranda
4 – As arotas do Alceu – Moda Brasil (nesse link tem fotos e outras ilustrações do estilista)
5 – Estampas de José Carlos Marques e Thomoshigue Kusuno, estilista Alceu Penna, Coleção da Rhodia dos anos 1960 – CosacNaify