Garotas folionas

Uma arlequina brasileira através do inconfundível traço do desenhista/figurinista Alceu Penna.
Autodidata, dono de um traço ágil e estilo inconfundível desenhava menus, cartazes, cenários, figurinos para shows, decorações e fantasias para bailes de carnaval, renovou inclusive a fantasia da Carmem Miranda quando esta partiu para Hollywood com o Bando da Lua.

Apesar da beleza da imagem, o que mais me chamou atenção foi o pequeno texto, assinado por A.Ladino, que serviu como legenda para a imagem aqui reproduzida.

O autor, numa brevíssima conclamação, aborda temas interessantes relacionados ao carnaval, algumas ideias soam anacrônicas e ingênuas outras permanecem na essência do DNA da folia, leiam:

Chegou a hora das garotas mostrarem as suas graças, e que tristezas não pagam dívidas, enquanto a alegria as aumenta. Folionas por instinto e formação, as garotas querem cantar e sambar, que amanhã, como diz o samba, elas não sabem se vão lá das pernas. Viva, portanto, a folia, com chope à mostra ou uísque escondidinho”.

…Tristeza não paga dívida, enquanto a alegria as aumenta!Advertia ou pregava a uma inevitável entrega? A busca da alegria nos faz inconsequentes, gastamos o que não temos em nome de prazeres momentâneos, movidos por desejos irrefreáveis.

Pior, ainda, para os que não têm opção, e segundo o autor do pequeno texto, são foliões por instinto. Nasceram com essa verve momesca. Não resistem ao tocar de um tambor. Endividarão a alma para tudo se acabar na quarta feira.

Afirma, também que as garotas querem cantar e sambar. O carnaval de rua voltou com força total e números superlativos.Nos mega blocos contemporâneos não vejo mais ninguém cantando ou sambando. Milhões de pessoas seguindo em cortejo, carros de som, mal entendendo a música que explode distorcida das caixas, parecem ter como objetivos únicos apenas beber e paquerar.

Beber é algo em comum . Quase setenta anos depois, é para quase a totalidade das folionas e foliões o combustível essencial. Nossa personagem da commedia dell’arte estilizada precisava beber uísque escondidinha. O chope venceu o uísque. Ninguém bebe destilado no carnaval e se quiser beber não precisa esconder. As grandes cervejarias patrocinam blocos. Cultivaram o hábito. A ideia de beber chope e ir ao bloco está associada. Multidões bebendo e se desfazendo do que foi bebido, num ciclo interminável. É assim hoje. Virou um grande negócio.

Finaliza o texto, seguindo a tradição romana – Carpe Diem, aproveitem a vida. Com dívida ou sem, com uísque ou chope, cantando, sambando , paquerando, o melhor mesmo é se jogar porque, como dizia o samba, nossas folionas não sabem se vão lá das pernas no imprevisível amanhã .

http://muitoscarnavais.com.br/2016/12/19/754

Desfile do Curso de Moda homenageia as Garotas do Alceu

Criações de 57 alunos foram apresentadas nas noites de segunda e quarta-feira.

Durante 26 anos, entre 1930 e 1960 o desenho de moda brasileiro foi dominado por Alceu Penna, ilustrador que deu vida às Garotas do Alceu. Toda semana, as personagens do ilustrador chegavam às bancas na revista O Cruzeiro, ditando as tendências de moda da época. Eram como as atuais it-girls.

Em 2015 é comemorado o centenário de Alceu Penna, e para marcar a data, três turmas da disciplina de Produção de Moda, do curso de Moda da Universidade Feevale criaram e apresentaram 57 looks inspirados nas Garotas do Alceu. As criações foram apresentadas nas noites de segunda e quarta-feira, 22 e 24 de junho, em desfile realizado no Câmpus II da Feevale.

Na noite de ontem o desfile contou com a presença da sobrinha de Alceu Penna, Luiza Penna de Andrade. Segundo ela, foi uma surpresa saber que as pessoas ainda veem o trabalho do ilustrador como referência. “Fiquei muito feliz e muito surpresa com esse desfile. No Rio Grande do Sul é a primeira vez que é feito um evento em homenagem à ele. É muito gratificante ver pessoas tão novas, que estão começando agora na moda, se basearem na obra do Alceu. Ele com certeza gostaria muito de presenciar esse tipo de iniciativa”, disse Luiza.

 

Confira os looks:

https://www.feevale.br/acontece/noticias/desfile-do-curso-de-moda-homenageia-as-garotas-do-alceu

 

Livro revive as apresentações grandiosas da Rhodia na Fenit, nos anos 60

Estilistas, modelos e jornalistas relembram os desfiles-shows da companhia

oglobo.globo.com

POR GILBERTO JÚNIOR

RIO — Enquanto a Europa borbulhava nos anos 60 com a invenção da minissaia e o futurismo de Pierre Cardin, Paco Rabanne e André Courrèges, a moda brasileira começava a ganhar uma cara só sua. Dener Pamplona de Abreu se firmava como um dos estilistas mais festejados da década. Clodovil Hernandes e Guilherme Guimarães também davam o que falar. Mas a cereja do bolo eram os desfiles da Rhodia na Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), em São Paulo. Pelas mãos do publicitário italiano Livio Rangan, a companhia de origem francesa fez história, incentivando a indústria nacional com seus shows megalomaníacos, com forte influência de nossa cultura.

— A ideia era popularizar os fios sintéticos que a empresa produzia. As roupas eram feitas pelos costureiros da época, como o próprio Dener — conta Maria Claudia Bonadio, autora do livro “Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960”, lançado recentemente, que tem como alvo os desfiles e campanhas da Rhodia. — Na publicação, falo bastante do show Stravaganza, de 1969. O espetáculo teve inspiração circense e levou para o palco leão, elefante e trapezistas. Gal Costa foi a estrela (não faltava música nas apresentações).

Indicado por Dener, o gaúcho Guilherme Guimarães, que fez fama no Rio, diz que tinha total liberdade. Ele podia fazer o que quisesse, desde que usasse as fibras sintéticas da empresa.

— Os sintéticos foram vistos com maus olhos. Nossas clientes de alta-costura só faziam vestidos com seda puríssima, que amarrotava na mala de viagem. A vantagem do sintético era justamente não amassar — comenta Guilherme, deixando claro que Clodovil não criava para a Rhodia. — Dener não deixava — diverte-se. — Dener era o meu melhor amigo, um encanto. Ele, inclusive, ameaçou não participar de um dos desfiles da companhia caso o Livio Rangan não me colocasse no time de costureiros. Rangan tinha uma visão incrível e um extremo bom gosto.

Natural de Trieste, Rangan, morto em 1984, foi uma peça importantíssima na engrenagem fashion nacional. Com as publicidades e os espetáculos na Fenit, ele ajudou a criar uma identidade para a moda brasileira, ao mesmo tempo que difundia os fios da multinacional.

— Os desfiles da Rhodia eram tudo o que tínhamos na década de 1960. Eram muito bem feitos — diz a consultora de moda Hiluz Del Priore.

As modelos eram as estrelas do espetáculo

Nos shows da Rhodia, tal como em qualquer outro desfile-espetáculo, as modelos tinham lugar de destaque. Exclusivas da companhia, elas viajavam à beça, fotografavam intensamente e faziam as comentadas apresentações na Fenit — o momento máximo. Entre todas as manequins, Mila Moreira, hoje atriz, era disparada a mais badalada.

— A Rhodia foi um marco, a TV Globo dos anos 1960. A gente ficava conhecida no Brasil inteiro. Não importava a cidade, sempre tinha alguém nos esperando — relembra Mila, que fez seu primeiro trabalho para a companhia em 1963, aos 16 anos. — Quando comecei, modelo era sinônimo de puta. As mães proibiam as filhas de andarem comigo.

Mila ficou no posto até 1974 e diz que fazia sucesso por ser “normal”, mais próxima da mulher brasileira comum

 

 

— Eu era a mais cheinha e tinha bumbum. Era a mais moleca e desengonçada. O público adorava. Mas minha mãe dizia que eu era a pior do grupo. Por um lado, foi bom. Ela manteve meus pés no chão. Nunca fui dada a estrelismo. Mas eu não tinha confiança alguma.

Guilherme Guimarães não esconde: Mila não era somente a preferida do Brasil. Ela também era a sua favorita.

— Nos encontramos muito no aeroporto, na ponte aérea Rio-São Paulo. A gente gosta de reviver aqueles tempos — entrega Guilherme.

Em 1968, a carioca Cristina Caldas, radicada em Nova York, entrou para o time de manequins da empresa, que buscava novos rostos. O cenário estava mudado.

— A profissão já tinha um certo glamour — pontua Cristina. — O Livio Rangan era muito rígido. Ele regulava a comida para a gente não engordar. Sem falar que ficávamos confinadas no hotel. Éramos jovens e ele era responsável por todas nós.

Mila confirma o protecionismo de Rangan:

— Ele pegava no pé. Não deixava a gente sair. Lembro que uma vez pulamos a janela para curtir. Atualmente, todo mundo faz o que quer. O italiano era um gênio — elogia a atriz, que teve a oportunidade de rodar o mundo como manequim da casa. — Estive no Japão, Itália, Tailândia, Portugal, Líbano…

Também em 1968, Suzete Aché, jornalista do ELA, fez sua estreia nas publicidades da Rhodia. Na sessão de fotos, ela vestiu a moda teen da época desenhada por Alceu Penna, um dos colaboradores mais conhecidos da empresa.

— Era divertido. Um dia a banda “Os Mutantes” veio nos visitar durante um ensaio. Foi a maior emoção. Também fiz desfiles na Fenit e pelo país. Rangan era o mentor de tudo. Uma pessoa cativante e grande conquistador. Ele foi namorado da Ully Duwe, a mais bonita das modelos da Rhodia — recorda Suzete.

Ully, aliás, passou por maus bocados no show Stravaganza, quando foi atacada por um leão. Ela narrou o episódio no livro “História da moda no Brasil”, de João Braga e Luís André do Prado: “De repente, ele abriu um bocão em que cabia meu bumbum inteiro! Mas não foi nada; só deu um beliscãozinho!”.

Segundo Cristina, as roupas desfiladas na Fenit e fotografadas nos ensaios eram confortáveis e desejáveis. E poderiam ser usadas agora, de tão modernas que eram.

— Mas a empresa vendia os fios, não a moda — esclarece Maria Claudia Bonadio.

Livio Rangan deixou a Rhodia em 1970, no mesmo ano em que a companhia fez seu último desfile-show na feira.

— Foi um período impactante para a moda. A Rhodia vendia o Brasil — resume o consultor de moda Lula Rodrigues.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/ela/moda/livro-revive-as-apresentacoes-grandiosas-da-rhodia-na-fenit-nos-anos-60-16948509#ixzz4jjbkBh8K
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O pai da moda brasileira

Por Laura Valente
Publicação: 01/02/2015 , Caderno Masculino&Feminino, Jornal Estado de Minas.
No centenário de Alceu Penna, resgate de memórias e a criação de coleção inspirada nas Garotas relembram o artista que revolucionou o guarda‐ roupa feminino com uma estética 100% nacional

Já se vão 100 anos e podem passar mais 100 que a influência de Alceu Penna na construção de uma moda autenticamente brasileira jamais será esquecida. Natural de Curvelo, na região Central de Minas Gerais, ele fez história ao se mudar para o Rio de Janeiro, cidade em que desenvolveu uma carreira rica em produções gráficas diversas, especialmente marcada pelo sucesso estrondoso dos desenhos criados para a coluna Garotas do Alceu, Publicada na revista O Cruzeiro semanalmente, de 1938 a 1964,  as páginas recheadas de novidades em moda e comportamento, dicas de penteado e maquiagem e ilustrações para o guarda‐roupa da mulher com modelos de praia, dia a dia, festas formais e temáticas como o carnaval eram esperadas com ansiedade não só pelas cariocas, mas por mocinhas de todo o país.

Para comemorar o centenário de nascimento, parentes do artista têm se empenhado na montagem de uma série de homenagens. No universo da moda, uma coleção‐cápsula criada pelo estilista Victor Dzenk com inspiração na obra de Alceu promete virar hit do próximo verão, temporada 2015/16.  “As Garotas representam um clássico da moda nacional, de uma riqueza incrível, com potencial de influência que permanece até os dias atuais”, afirma Dzenk. A ideia de criar a coleção surgiu de um contato entre o estilista e uma das sobrinhas de Alceu, Laís Penna, filha de um dos irmãos dele, também já falecido, Adalto de Paula Penna. “Convidei o Dzenk para curtir a página comemorativa ao centenário do meu tio no Facebook e dali começamos a trocar figurinhas. Pensei nele porque também é um mineiro com alma carioca, e lida muito bem com estampas. Além de homenagear o Alceu, essa coleção vai resgatar e até mesmo apresentar a história dele para quem não o conhece, já que o Victor é um profissional bastante influente”, cita Laís.

Releitura do mestre

A coleção‐cápsula merecerá destaque especial durante o lançamento de primavera‐verão 2015’16 do estilista, nomeada Jardim Secreto. “A estamparia é o DNA da minha marca, então irei explorar muito as imagens das Garotas e dos croquis, mas não de forma literal e, sim, em grafismos, uma releitura de estampas criadas por ele como borboletas e animal printings. Ele gostava de retratar as Garotas acompanhadas de gatos de estimação, e este também estará presente”, adianta Dzenk.
A modelagem das peças promete passear pelos shapes dos anos 1940 a 1960, e explorar tecidos usados no período, criados a partir de fibras naturais: algodão, gabardine, linho, shantung, tricoline, entre outros.
Haverá, ainda, t‐shirts. “Pretendo abraçar imagens dos croquis na íntegra e em recortes, algumas envelopando a camiseta inteira, em 360 graus, cobrindo toda a superfície”, completa.
Ainda segundo o estilista, é um privilégio discorrer sobre um artista tão completo e importante para a história da moda brasileira. “Na abertura da biografia do Alceu (escrita por Gonçalves Júnior) há uma citação dizendo que ele foi o responsável pela descrição do estilo da carioca antes de Vinícius de Morais e Tom Jobim apresentarem Garota de Ipanema ao mundo, que pode até mesmo ter sido inspirada nas Garotas. Isso é muito forte, representativo. O Alceu ilustrou o estilo da mulher brasileira de forma muito precisa, uma vanguarda para a época com reflexos não só na moda, mas no comportamento, na atitude, no lifestyle mesmo”. É como definiu o texto da revista O Cruzeiro na época do lançamento da coluna: “As Garotas são a expressão da vida moderna. Endiabradas e inquietas, elas serão apresentadas todas as semanas por Alceu Penna”.

Carioca x mineira

Na Belo Horizonte dos anos 1940, a máquina de costura da menina Júnia Melo trabalhava semanalmente para reproduzir os modelos exibidos pelas Garotas do Alceu. “Comecei a costurar para mim com 13 anos e, dali, também para as minhas colegas do Colégio Santa Maria. Comprava a revista O Cruzeiro só para ver as Garotas e tirar os modelos”, lembra ela, que trabalhou a vida inteira com modelagem, leciona e pretende lançar um livro técnico ainda este ano.

“Ele tinha um desenho maravilhoso, e não fazia só a ilustração, mas falava sobre o comportamento também. Havia modelos de festas como carnaval, junina, debutantes, roupas de praia e de toda hora. O Alceu acompanhava o que as mocinhas estavam fazendo, a cor de batom, tipo de maquiagem e penteado, onde estavam indo, e reproduzia tudo com extremo bom gosto.”

Em uma época em que não havia lojas de roupa pronta, era o Alceu quem ditava moda. “Fazia modelos em laise, cambraia de linho, linho, seda, veludo, muitas vezes enfeitados com tira bordada (ou bordado inglês). A diferença é que aqui em Belo Horizonte as mães nos proibiam de sair de vestido de alcinha, ao contrário do que ocorria com minhas primas cariocas, que também copiavam os modelos do Alceu. Aliás, todas as mocinhas jovens e de família do país copiavam os modelos dele.” Junia cita ainda a importância dos desenhos do artista para o surgimento de uma moda com características brasileiras. “Não tínhamos muito figurino nacional, por isso tirávamos modelos de roupas de filmes com figurino francês ou americano. Aqui, ele foi pioneiro em um desenho bom, todo mundo que costurava prestava atenção naquilo que ele propunha de moda, influenciou muito.”

Para a especialista em modelagem, naquela época e mesmo nos dias de hoje Alceu foi mais que um estilista. “Ele foi um prestador de serviço nessa área, e sempre dava algum tipo de orientação.” Entre os modelos inesquecíveis, ela cita um vestido de linho JK, estreado com sucesso na hora dançante do Automóvel Clube. “Era vermelho e tinha a parte de cima toda bordada de pastilha branca, com linha grossa, em forma de bolinhas, lindo, lindo. Até hoje faço esse modelo nas minhas aulas. O Alceu foi minha maior fonte de referência.”

Origens

Laís Penna conta que o tio começou a desenhar ainda criança, muitas vezes nas calçadas da cidade natal, Curvelo, com giz de alfaiate. “Dizem que um casal de pintores ficou impressionado com o talento daquele jovem e começou a ensinar algumas técnicas para ele, além de o incentivá‐lo para que fosse para o Rio de Janeiro, ao contrário do desejo do meu avô, para quem Alceu deveria seguir outra carreira ”. Na Cidade Maravilhosa, o menino chegou a estudar arquitetura, mas após a morte do pai decidiu‐se pela formação na Escola Nacional de Belas‐Artes (ENBA). “Dali, ele começou a batalhar a carreira de cartunista e ilustrador em diversos veículos e na publicidade, inclusive criando tipografias. Foi um dos pioneiros também na produção de quadrinhos (HQs), atuou em artes gráficas de modo geral, mas a fama mesmo veio com ”As Garotas”, descreve a sobrinha.  Para ela, as moças produzidas por Alceu surgiram na mesma época em que as ”pin‐ups” começaram a fazer sucesso no cenário mundial, e representaram uma inovação.

“Ele viajava muito, atuou como correspondente de moda na revista O Cruzeiro, ia para Paris, para os EUA, e adequava os costumes de moda de lá para a realidade brasileira.” Apesar de partir do interior de Minas ainda muito jovem, o artista deixou boas lembranças por lá. “Há muitas histórias das pessoas que viveram na época. Ele visitava a cidade anualmente, fazia desenhos para amigas, para blocos de carnaval, e não cobrava nada. Muitas vezes, mandava para nós malas repletas de desenhos e tecidos para a minha mãe costurar.”
A sobrinha também descreve a personalidade do tio famoso. “Ele era caseiro, e bem alegre em família, tinha uma ironia fina, gostava de contar piada. Quando voltava de viagem, trazia lembranças para todos os sobrinhos.”

Alguns anos após a morte de Alceu, Laís se debruçou no acervo do tio para criar artigos de vestuário e decoração. Atualmente, tem trabalhado com a produção de jogos americanos, calendários e outros produtos em parceria com o irmão, Ivan Penna.

Há um tempo ela, a irmã Mara, a prima Luiza Penna de Andrade e outros membros da família fizeram uma força tarefa para organizar o acervo e homenagens pelo centenário do artista, que tem influenciado gerações desde que lançou seu olhar criativo e sensível para a mulher brasileira. “A obra dele parece não ter fim. É um legado realmente muito rico.”
Legado precioso ‐

Filha de América Penna, a Miloca, dois anos mais velha que Alceu, a arquiteta Luiza Penna de Andrade tem se empenhado na força tarefa criada para organizar o acervo e o legado deixados pelo artista. “Ele desenhava como respirava, mas nunca foi muito organizado. Então, era a tia Thereza, irmã que morou com ele desde mocinha até a morte, quem cuidava de alguma coisa. Ela também morreu, há oito anos, não há mais nenhum dos 11 irmãos vivo.

O que pretendemos é garantir a preservação do que ficou, organizar esse legado e torná‐lo acessível ao público.” Ainda segundo Luiza, vários originais de Alceu ainda inéditos foram doados para o Museu da Moda, em Niterói, RJ.
Luiza, que se casou com um vestido desenhado pelo tio, conta que o legado de Alceu é bastante explorado em trabalhos acadêmicos, livros e biografias, por pessoas de fora e também da família, a exemplo das sobrinhas‐netas do artista Gabriela Penna (autora do livro Vamos, Garotas!) e Rachel Penna (idealizadora do trabalho de graduação e exposição – Alceu Penna ‐ as garotas que tem yumpf, no Museu Inimá de Paula, em 2009).

Ela também cita Maria Cláudia Bonadio, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), como uma pesquisadora atuante no legado de Alceu. “Ela tem dado uma contribuição muito rica nesse sentido, inclusive orientando trabalhos acadêmicos na temática. No site www.alceupenna.com.br procuramos relacionar tudo o que já foi publicado sobre ele”, informa Luiza.
Além do site, a família também criou uma página no Facebook, Centenário de Alceu Penna, e tem tentado aprovar projetos via Lei de Incentivo para a organização de exposições. “Pleiteamos fazer uma mostra no Centro de Referência da Moda de Belo Horizonte, já nos inscrevemos na seleção, mas ainda não sabemos se será aprovada. Nosso ideal é criar exposições itinerantes, que possam viajar pelo país, já que o tio Alceu era conhecido em todo o Brasil, nas cidades onde circulava a revista O Cruzeiro e os outros trabalhos produzidos por ele”.
Entre as dificuldades da família está a reunião do acervo, já que muitos desenhos e outros documentos espalharam‐se ao longo dos anos, além de patrocínio. “O que temos investido até agora são recursos pessoais, apesar de já ter mandado projetos para vários órgãos e empresas do setor têxtil. Tenho muita vontade de fazer mais por ele, por esse legado. Há vários livros sobre o trabalho do meu tio, mas nenhum de imagens inéditas, por exemplo, catalogadas de acordo com as datas de origem. Um desejo meu é organizar esse material”, planeja Luiza. E derrete‐se em admiração pelo tio famoso. “Ele foi um cara muito na dele, simples e cultíssimo. Um intelectual que falava várias línguas, pessoa muito educada, muito discreto, muito amigo dos irmãos, um exemplo de vida.”

Leia mais: http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/feminino-e-masculino/2015/02/01/interna_femininoemasculino,140481/o-pai-da-moda-brasileira.shtml

Um prodígio brasileiro

 

Por Ruy Castro

Escritor, biógrafo e jornalista; pubicado na  Folha de S. Paulo em 03/01/2015

RIO DE JANEIRO – Sem fanfarras, tivemos neste dia 1º o centenário de um dos artistas gráficos mais completos do Brasil: Alceu Penna, o ilustrador que, de 1938 a 1964, publicou as famosas páginas duplas, “As Garotas do Alceu”, em “O Cruzeiro”.

Durante aqueles 26 anos, Alceu, semana após semana, inventou a moderna mulher brasileira: jovem, elegante, saudável, atlética, informada, independente, maliciosa, quase petulante (e, se essa mulher nem sempre correspondia a tal descrição, a culpa era dela, por não ter se inspirado em Alceu). Brasileiras de todas as cidades alcançadas por “O Cruzeiro” –que, nos anos 1950, eram todas– vestiam-se como suas garotas e tentavam copiar sua postura e “atitude”.

Tecnicamente, Alceu era um prodígio. Os colegas o admiravam pela maestria com que, em traços ágeis e firmes, insinuava tonalidades, volumes, texturas. E olhe que era daltônico: via o vermelho no verde e vice-versa. Com tudo isso, nunca houve um costureiro brasileiro que não fosse seu devedor.

Alceu, no apogeu, estava nas passarelas, nos cassinos, no teatro, na TV, na indústria têxtil, nas capas de livros e discos. Criou modelos de alta costura, vestidos de noiva, fantasias de Carnaval, moda de praia, lingerie, figurinos de musicais… sempre na casa dos milhares e, inúmeras vezes, de graça. Morreu pobre, mas isso foi o de menos: um derrame em 1975 condenou-o a passar os últimos cinco anos de sua vida sem desenhar.

As mulheres de Alceu eram, sem exceção, lindas ou interessantes –porque assim ele as enxergava. O extraordinário é que, segundo seu biógrafo Gonçalo Junior, no magnífico “Alceu Penna e as Garotas do Brasil” (Amarilys, 2011), nunca se soube de uma ocorrência amorosa em sua vida –com qualquer sexo. Alceu pode ter morrido virgem de mulheres, mas, à sua maneira, digo eu, fecundou-as todas.

Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/um-prodigio-brasileiro-por-ruy-castro

As Garotas de Alceu Penna

Alceu Penna teve um importante papel na construção da identidade da moda brasileira da forma como a conhecemos hoje. Antes dele começar a ilustrar as colunas na revista O Cruzeiro, as publicações do país não se preocupavam com a representatividade da moda nacional, trazendo apenas o que se via lá fora para suas páginas. No entanto, através de seus desenhos Alceu pode adaptar o modo de vestir das estrangeiras para a realidade do Brasil, começando assim a traçar as primeiras características que viriam a ser identificadas como parte da identidade brasileira.

Considerado um artista gráfico versátil, Alceu Penna atuou em diversas áreas, desde criação de capas para revistas, elaboração de cenários e figurinos para cinema, teatro e TV, até desenhos para o público infantil e fantasias para escolas de samba. Mas seria através da coluna “Garotas”, veiculada durante 28 anos na revista O Cruzeiro, que o ilustrador ganharia visibilidade e reconhecimento.

Publicação da coluna “Garotas” na revista O Cruzeiro, a principal revista ilustrada brasileira da primeira metade do século XX.

Inspiradas pelas Gibson Girls, as Pin-ups do The Saturday Evening Post, as figuras femininas de “Garotas” expressavam a vida moderna no país. A coluna, que trazia mocinhas vestidas com as últimas tendências conversando sobre os assuntos mais variados, ditou modas e costumes, influenciando diretamente o comportamento da geração de homens e mulheres da época. Através de suas garotas, Alceu Penna disseminou novos hábitos para as moças da época, que agora eram mais modernas e urbanas. Além disso, a coluna também refletia ideais ligados ao contexto político-social vivido no Brasil.

Nesse período, ainda não se colocava em questão uma moda nacional, uma vez que a indústria têxtil do país era gerenciada por empresários mais preocupados em garantir sua sobrevivências do que na busca por uma moda com expressão nacional. As elites consumidoras de moda ainda consideravam sinônimo de elegância vestir-se nos moldes da Alta Costura francesa. Assim, as revistas brasileiras se conservavam a apenas apresentar e descrever as novidades da moda internacional.

As garotas de Alceu eram ousadas e destoavam do comportamento conservador da época, incentivando o empoderamento das mulheres.

A partir da década de 30, com a viagem de Alceu Penna para Estados Unidos, seu olhar se afina para as peculiaridades de sua terra natal, e isso reflete em sua coluna. Antes da viagem, a coluna intitulada “Álbum de fantasias de O Cruzeiro” trazia ideias de fantasias inspiradas nos trajes típicos de países estrangeiros. Após seu retorno, as fantasias inspiradas no Carnaval veneziano dividem espaço com elementos de nossa cultura, como o malandro e a baiana. Mas esse movimento não acontece apenas nas fantasias: aos poucos, o ilustrador começa a apresentar uma moda com características nacionais. Em um primeiro momento, adaptada ao clima tropical, e posteriormente à matéria prima têxtil nacional, como o algodão.

Alceu Penna também causa mudanças no comportamento da mulher brasileira. Apesar de O Cruzeiro ser uma revista de variedades voltada para as famílias conservadoras, a coluna “Garotas” não se enquadrava no padrão de comportamento feminino da época. Eram moças de família, que sonhavam com o casamento, mantinham boa aparência e respeitavam os mais velhos, mas às vezes escapavam de certos padrões e brincavam com a imagem do papel da mulher. Elas tomavam a inciativa na conquista, usavam roupas mais curtas e iam a bailes desacompanhadas. As “Garotas” eram confiantes e irresistíveis, e dessa forma contribuíram para a emancipação de alguns comportamentos das moças do período.

Naquele momento, o Rio de Janeiro era visto como centro cultural e modelo de progresso diante do restante do país. Assim, as mocinhas criadas por Alceu Penna eram retratadas em cenários que faziam parte do cotidiano da elite da cidade junto com seus modismos e trejeitos. Como O Cruzeiro era uma revista de alcance nacional, o estilo de vida carioca se espalhou para todo o país, tornando-se objdesejo de todos. A praia era um popular ponto de encontro da juventude da época, e não seria diferente para as  “Garotas”, que eram frequentemente ilustradas no cenário. Com a exposição do corpo ao sol, a pele bronzeada e o corpo esbelto se tornaram o ideal de beleza vigente do período, associado ao Rio de Janeiro.

Referência de estilo, as garotas de Alceu vendiam o lifestyle brasileiro, muito associado ao Rio de Janeiro.

As “Garotas” de Alceu ganharam tanto de destaque que começaram a sair do papel para se tornarem de carne e osso, uma vez que suas atitudes eram copiadas pelas jovens da época. Não só isso: os figurinos criados para suas bonecas também eram levados para as costureiras a fim de serem reproduzidos. As moças desejavam ser uma das tais “Garotas” e os rapazes sonhavam em se casar com uma delas. Em conjunto com sua colaboração para a moda brasileira, o ilustrador abriu espaço para uma nova figura feminina emergir.

Aprofunde a sua pesquisa:

Site: www.alceupenna.com.br

Livro: Alceu Penna e as Garotas do Brasil, por Gonçalo Junior (Editora Manole)

Livro: Vamos, garotas! Alceu Penna, por Gabriela Penna (Editora Annablume)

*Por Gabriela Cabral, em colaboração ao Costanza Who

As Garotas do Alceu

Por Lucia Helena Monteiro Machado

Ah! As garotas do Alceu! Lindas graciosas, sempre sorridentes e sonhadoras. Quais sonhos eram apropriados para as jovens daquela época? Uma época que já se foi e não existe mais.

Estamos falando da década de 50. O Rio, capital do Brasil vivia sua “belle époque” tupiniquim. A vida era risonha e franca. Nada de violência, nem drogas, nem traficantes. Juscelino prometia 50 anos em cinco. O “presidente bossa nova” era chamado de “pé de valsa, pois gostava de dançar e dançava bem. Marta Rocha “quase” levava o título de Miss Universo. E, felizes, iam todos para a praia, como naquele filme famoso, Nunca aos domingos. Nesta não haviam arrastões…

Bem, e as garotas? Quanta graça e quanto charme exibiam as jovens cariocas! Admiradas e copiadas por todas as moças provincianas do país. E quem as traduzia de maneira perfeita? Alceu Penna. No seu traço inconfundível, estampava todo o charme da mulher carioca. E era uma via de mão dupla. Ele as retratava e elas o copiavam. Sem ser um “estilista”, coisa que nem existia na época, ele desenhava roupas, chapéus, fantasias de carnaval, maiôs e penteados que eram copiados por todo o Brasil. Falo de cátedra porque tive vestidos copiados de seus desenhos.

Belo Horizonte, uma cidade ainda acanhada, não tinha lojas de roupas femininas, muito menos butiques. As roupas eram confeccionadas por costureiras ou pelas próprias mães, como era o meu caso. E os modelos de Alceu eram um achado. A primeira loja de roupas prontas de Belô foi A Siberia, e os modelos vendidos eram mais estilo “senhora”. As jovens tinham que comprar pano nas várias lojas de tecido da cidade, para confeccionar seus modelitos. Enorme sucesso fazia a fábrica da Bangu, que tinha bonitos tecidos, em algodão da melhor qualidade. Era o pano perfeito para os modelos de Alceu. Então, os famosos “imprimes”, algodão estampado, floridos, perfeitos para as jovens.

Nessa época, nenhuma garota ia a uma festa junina sem uma roupa de chita. E os modelos vinham todos de Alceu. Como as festas eram bonitas e coloridas! Éramos orgulhosas de usar aqueles vestidos cheios de babados, fazer uma trança, ou colocar uma postiça, e dançar músicas tradicionais a noite toda. Nas festas típicas da Europa, toda a população se veste de maneira tradicional. Aqui, parecem ter vergonha. Hoje, as festas juninas são um amontoado de gente sem nenhum caráter, dançando músicas estrangeiras.

E os calendários do Alceu? Eram lindos. E apesar de ter aquele toque de ingenuidade, que ele colocava nas suas meninas, tinha uma enorme sensualidade. Sim, as garotas eram ingênuas, mas, de maneira nenhuma, assexuadas. As pernas esguias, que saíam de uma beca de formatura, o decote apenas sugerido e o olhar provocante, não deixavam dúvidas: eram sedutoras, provocadoras e, o toque de ingenuidade era apenas um charme a mais. Falando francamente, eram mais sensuais do que as modelos nuas dos atuais calendários.

Assim era Alceu. Um esplêndido desenhista, um refinado estilista e o melhor tradutor de uma juventude que reinava numa época que não volta mais, da que já foi chamada de “a era da inocência”. Não tão inocente assim, mas bem mais tranquila e segura. Mais charmosa também, em grande parte, graças a Alceu. 

*Lucia Helena Monteiro Machado é psicóloga e escritora, autora dos livros Retratos em busca de uma história e Paris para brasileiros.

“PAPAI SABE TUDO” perdeu de vista a “GAROTA DO ALCEU”

postado por Alexandre Figueiredo 

Linhaça Atômica

No começo deste ano, um sisudo economista, de seus 62 anos, se separou de uma conhecida e belíssima jornalista de televisão. Os motivos da separação não foram anunciados para preservar a privacidade do ex-casal, mas observa-se que são as tais “diferenças irreconciliáveis”, que seriam assumidas se a separação tivesse envolvido um casal dos EUA.

Nunca ficou difícil para executivos, profissionais liberais e empresários que começam a viver os 60 anos de idade viverem como os antigos “coroas” que eles conheceram e admiraram nos anos 1970. Era o estilo de vida ao mesmo tempo granfino, pedante e “comedido” dos senhores de idade que viraram seus “heróis” desde a tenra infância nos anos 1950.

Há poucos anos atrás, era a vez de um empresário e publicitário se separar de uma apresentadora de TV, por “diferenças irreconciliáveis”. E outro empresário, marido de uma atriz, só pôde manter o casamento depois de uma terapia de casal que fizesse pelo menos o homem aderir aos novos tempos.

Ficar trancado em escritórios ou consultórios fez com que uma geração de médicos, advogados, empresários, economistas e engenheiros nascidos entre 1950 e 1955 ficassem parados no tempo e vendo o mundo praticamente sob os olhos de seus pais, patrões e professores cerca de 20 anos mais velhos.

Presos a um padrão de comportamento e vestuário que os fazia “colarem” sapatos de verniz nos seus pés – só passaram a usar tênis nas caminhadas na orla sob pesados conselhos ortopédicos – e a se vestir de “industriais” ou “ministros” só para divulgar romances literários no Programa do Jô, os “granfinos” born in the 50s, sessentões de primeira viagem, mostram dificuldades de se reinventarem na vida.

Eu me lembrava de quando, por volta de 1974, eu via os noticiários da televisão, menino de três anos que eu era, e eu comentava que os homens que apareciam nas notícias vestindo terno e gravata estavam “vestidos de ministro”. Em 1978, eu já questionava esse “mundo adulto” em que homens se autoafirmavam com ternos, sapatos de verniz, cargos de comando e regras de etiqueta.

Esses granfinos trancados em escritórios e consultórios acham que só por ter um bom desempenho profissional (nada revolucionário nem idealista, diga-se de passagem), podem ao mesmo tempo terem moças bonitas mais jovens e terem uma personalidade mais antiga, que os fazia chegar aos 50 e, agora, aos 60 anos, com o desejo infantil de apressar uma bagagem mental de 70, 80 anos.

Procurando nas mocinhas uma tradução meio pós-moderna das “Garotas do Alceu”, série que mostrava a realidade de jovens moças sob desenho de Alceu Penna e outros autores (eu costumava ler, nas bibliotecas, os textos escritos por Maria Luíza Castelo Branco), os equivalentes brasileiros do Papai Sabe Tudo não acompanharam a transformação dos tempos.

Vendo com preconceito as transformações dos anos 80 fora de seus cursos de pós-graduação, de suas empresas e consultórios, como se não houvesse diferença entre Legião Urbana e Trem da Alegria ou entre Marcelo Rubens Paiva e o palhaço Bozo, eles compensaram, a partir dos anos 90, com suas esposas mais jovens, a imagem imatura causada em relações conjugais anteriores.

Eles pegaram mocinhas que viam MTV, que iam a danceterias e que hoje estão na casa dos 40, 45 anos, mas ficaram presos a um perfil de “coroa” ao mesmo tempo paternal, obsessivamente elegante, extremamente formal, não raro plagiando as personalidades dos patrões, professores e dos próprios genitores masculinos que lhes serviam de modelo para a vida.

“Mauricinhos” nos anos 70 que foram o auge do colunismo de Imbrahim Sued, depois convertidos em yuppies profissionalmente corretos, eles, já no final dos anos 1990, se impressionaram demais com seus cabelos grisalhos e entraram no século seguinte prometendo chegar aos 60 anos com uma bagagem mental de homens bem mais velhos.

E aí, ficava aquela coisa constrangedora de reviver o passado sem ter identificação natural com ele. Poucos conseguem enxergar o mundo para antes de seus berços, e os granfinos nascidos nos anos 1950 tiveram a mania de entender o mundo girado até o tempo de suas infâncias (mais ou menos 1958 ou 1959) como se eles tivessem sido adultos nessas épocas.

Aí vi, na edição recente de Caras, um médico de seus 60 e tantos anos aparecendo com traje de gala no baile do Copacabana Palace, alheio ao mundo ao lado de sua esposa 20 anos mais jovem, sem saber que o próprio baile já começa a sofrer as influências popularescas que fizeram esses sugar daddies se afastarem da revista Caras.

Independente de tais relações conjugais permanecerem ou não, o que se nota é que fica muito difícil esses médicos, empresários, advogados, economistas e engenheiros que têm 60, 65 anos, com cabelos grisalhos, experiência profissional, primeiros netos e tudo, viverem como os “coroas” de outros tempos.

Daí que, num dado momento, o Papai Sabe Tudo perde de vista a “Garota do Alceu”. Ironicamente, Robert Young, ator da série norte-americana (Father Knows Best, no original) encerrou sua carreira nos mesmos anos 80 desdenhados pelos granfinos de 60 anos.

http://linhacaatomica.blogspot.com/2015/02/papai-sabe-tudo-perdeu-de-vista-garota.html

Talento é eterno.

Por Anna Marina*

Família com muitas filhas moças só podia dar no que deu: como eram bonitas e muito vaidosas, chamavam a atenção na cidade. E, na época, pelo jeito que se vestiam, eram comparadas às Garotas de Alceu. Aquelas que, toda semana, traziam nas páginas de O Cruzeiro, a revista de maior tiragem da América Latina, todo o charme e o dengo das cariocas – muitos anos luz à frente das mocinhas do país.

Alceu Penna derrubava mitos, tabus, tradições, colocava na boca de suas garotas palavras e desejos que passavam longe do conservadorismo do país. Mesmo assim, não escandalizava, não era demonizado. Apenas copiado, e muito, por toda mocinha que queria ter o mesmo charme, as mesmas pernas longas, a mesma cintura fina daquelas imagens tão inovadoras e avant garde que a revista publicava.

O desenhista ia além de criar figurinhas: ditava moda, comportamento, vaidades. Nascido na pacata Curvelo, antecedia outra patrícia que anos mais tarde também fez história no país e no exterior. Só que Zuzu Angel tinha uma abertura diferente em relação à moda, sem muita criatividade por aqui. Criava sua própria visão do que acreditava ser o espirito do estilo brasileiro. Alceu Penna ia além: desenhando numa época em que as novidades lançadas no exterior levavam semanas para chegar aqui, aproveitava sua facilidade de receber informações antecipadas, por meio da revista, sabia antes das ávidas consumidoras para onde a moda estava indo.

Mas não ficava só nisso: assim como definia em seus desenhos as linhas criadas por Dior ou Givenchy, investia lindamente em tradições brasileiras, como as festas juninas e os bailes de carnaval. Aqui em Minas, não foram poucas as foliões que apareciam nos bailes chiques da cidade usando suas fantasias. E as festas juninas repetiam suas lindas roupas de sinhazinha.

Bom de tudo isso é que as criações de Alceu Penna eram replicadas em várias versões. Como as costureiras eram poucas, os modelos eram repetidos em máquinas de costura domésticas, por mães prendadas ou pela próprias garotas. Outro lance muito importante é que as lojas de tecido ofereciam mil opções, dos exclusivos tecidos importados aos nobres algodões nacionais. Até a Bangu entrou na dança, com os desfiles que promovida no país – e até no exterior – com modelos criados por Alceu.

Esse talento e esse bom gosto se repetiram depois nas páginas de culinária da revista, que eram editadas por sua irmã, Thereza de Paula Penna. Ele colaborava na montagem dos pratos, fazendo com que qualquer comidinha doméstica se transformasse em tentação gourmet. Outro setor, aliás, que a dupla de Curvelo investia em divulgação de um assunto que pouco aparecia nas páginas das publicações nacionais.

E o talento do estilista mineiro é tão autêntico que segue sempre atual. Os modelos que criava para suas garotas podem ser copiados hoje com o mesmo sucesso. Obra de mestre não envelhece, não faz 100 anos.

*Editora Anna Marina Siqueira, Caderno Feminino & Masculino / Jornal Estado de Minas.

MASP organiza mostra sobre desfiles-show da Rhodia nos anos 60

Campanha que celebrou os 50 anos da Rhodia no Brasil, de 1969, com vestidos estampados por artistas como Jacques Avadis, Moacyr Rocha, Fernando Martins e Manabu Mabe (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Tema de uma exposição que entra em cartaz este mês, os desfiles-show e campanhas da Rhodia nos anos 60 revelaram toda uma geração de talentos e ajudaram a moldar a identidade da mosa nacional, tendo a arte como aliada

No fim dos anos 50, quando a moda ainda engatinhava no Brasil, o publicitário italiano radicado em São Paulo Livio Rangan – figura visionária, dono de uma criatividade inesgotável e com estampa digna de galã da Cinecittà – teve a ideia de orquestrar campanhas e desfiles grandiosos que mesclassem peças assinadas por estilistas nacionais, arte e cultura pop. Por trás do ambicioso projeto estava a Rhodia, empresa francesa que, em 1919, havia instalado por aqui uma fábrica de lança-perfumes – isso mesmo, o famoso Rodouro, que animou nossos Carnavais até a proibição do spray, em 1961.

Antevendo essas mudanças, a Rhodia entrou firme e forte na produção de fibras sintéticas em 1955. Para vendê-las no País tropical, referência mundial em algodão, traçou uma mega estratégia de marketing em parceria com Rangan, que durou pouco mais de uma década, encerrando-se em 1970. “Livio foi um grande diretor de arte, de teatro, um ótimo metteur en scène. Seu trabalho na Rhodia era um pretexto para mostrar o que realmente sabia fazer: arte no palco, em filmes, na fotografia”, avalia a ex-modelo e jornalista Zizi Carderari, casada com o publicitário de 1974 até 1984, quando elemorreu precocemente, aos 51 anos.

Jan, Ully, Felicia, Mailu e Marisa com vestidos de Licínio de Almeida apresentados no desfile-show Momento 68 na 11ª edição da Fenit, em 1968 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

O italiano passou a dirigir a publicidade da Rhodia e a idealizar editoriais para revistas ligadas à indústria têxtil, tendo como alvo os clientes dos fios da empresa. Numa era pré-semanas de moda, as peças eram lançadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil, a Fenit, em desfiles-show que exibiam criações dos estilistas mais incensados da época, pioneiros da alta-costura made in Brazil, como Dener, Ugo Castellana, José Ronaldo, Guilherme Guimarães e Jorge Farré. As coleções eram desenvolvidas utilizando as matérias-primas mais modernas da Rhodia sob a coordenação do ilustrador mineiro Alceu Penna, autor do icônico figurino de Carmen Miranda e da série de crônicas de moda “Garotas do Alceu”, publicada na lendária revista O Cruzeiro e que influenciava os costumes das brasileiras de então.

Para acentuar o cunho cultural (e inédito) da empreitada, Livio – um workaholic que sonhava alto e dormia pouco – decidiu convidar artistas plásticos para desenhar as estampas das cem peças únicas apresentadas a cada coleção. A lista de colaboradores é extensa e ilustre: Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Milton Dacosta, Nelson Leirner, Ivan Serpa, Manabu Mabe, Alfredo Volpi, Willys de Castro. Parte das criações assinadas pelo grupo se perdeu ao longo do tempo (caso de peças de Ohtake, Iberê e Dacosta), mas 79 modelos com estampas de 28 artistas foram doados em1972 para o Museu de Arte de São Paulo, formando um conjunto batizado de Coleção Masp Rhodia. A boa notícia é que, a partir do dia 23 deste mês, todos os itens serão exibidos por lá na mostra Arte na Moda – a última vez que esse acervo esteve em sua íntegra às vistas do público no museu foi há 43 anos, na época de sua doação.

 Mailú, Mila e Lilian com peças criadas por Alceu Penna para o desfile-show Rio 400 anos, em 1964 (Foto: Rhodia/ Divulgação)

Em clima de Tropicália meets Carnaby Street, os desfiles da Rhodia uniam moda e arte,mas não só isso: havia também música, dança e poesia. O ator Raul Cortez
fazia as vezes de mestre de cerimônia, e o roteiro costumava ter assinaturas ilustres – nascia do humor de Millôr Fernandes ou da sensibilidade de Carlos Drummond de Andrade. Coreografias do americano Lennie Dale (que pouco depois, nos anos 70, fundaria o lendário grupo de dança andrógino Dzi Croquettes) eram embaladas por performances ao vivo de nomes em ascensão namúsica, como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou Rita Lee – linda à frente de sua banda naqueles tempos, Os Mutantes. Em meio às apresentações musicais, aconteciam os desfiles propriamente ditos, cujos castings eram atração à parte.

http://vogue.globo.com/moda/moda-news/noticia/2015/10/masp-organiza-mostra-sobre-desfiles-show-da-rhodia-nos-anos-60.html