Nascido em Curvelo (MG), Alceu se mudou para o Rio de Janeiro em 1932, aos 17, e no mesmo ano, começou a fazer capas para a revista “O Cruzeiro”. Entre 1938 a 1964, Alceu Penna teve um papel importante nos costumes das mulheres brasileiras, com sua coluna “As Garotas”, publicada toda semana na revista.
Um anúncio de 1938, publicado nos jornais da rede Diários Associados (que editava também a revista), falava da novidade e de seu estilo: “As garotas são a expressão da vida moderna. Endiabradas e inquietas, elas serão apresentadas todas as semanas em ‘O Cruzeiro’ por Alceu Penna”.
A cada edição, ele trazia algum tema que ocupava de duas a quatro páginas da revista. Desde assuntos políticos a cinematográficos, esportivos etc. Quem seguia a moda, copiava as roupas –cuidadosamente feitas com as cores e tendências do momento– e as atitudes de “As Garotas”. O artista fazia ainda sugestões para penteados.
As cenas eram completadas com frases: “Nada existe de mais prático para verão do que os shorts, uma genial invenção ‘yankee’ que parece ser destinada exclusivamente ao nosso clima. Aqui vemos nada menos do que sete modelos encantadores. Alguns deles servem também para entrar n’água…”.
CARMEM MIRANDA
Antes desse sucesso todo, Alceu–um amante das histórias em quadrinhos– deu um jeito de colaborar com “O Globo Juvenil”. Era um tabloide que circulava três vezes por semana e fora criado por Roberto Marinho, em junho de 1937. Ali, propôs a um assistente do editor que adaptassem juntos clássicos da literatura para o suplemento.
O nome do assistente era Nelson Rodrigues, que teve, assim, uma de suas primeiras experiências de criação, antes de se tornar cronista, ficcionista e dramaturgo dos melhores.
A parceria rendeu bons frutos. Eles levaram para a linguagem dos gibis, entre outros, “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, e “O Mágico de Oz”, que acabara de virar longa-metragem de sucesso.
Na virada dos anos 1930 para os 1940, Alceu viveu dois anos nos EUA, quase ao mesmo tempo em que sua amiga Carmen Miranda. Pretendia ser ilustrador e cartunista da revista “Esquire”, e conseguiu. Por mais de um ano, o brasileiro colaborou com cartuns na publicação.
Ele havia conhecido Carmen nos bastidores do Cassino da Urca. Algumas semanas antes de embarcar para a América, em 1939, Carmen deu uma entrevista a “O Cruzeiro” em sua casa, no Rio.
Quando o papo acabou, o desenhista fez uma série de sugestões para renovar o guarda-roupa da cantora. Adicionaria, segundo disse depois, “saias multicolores, os turbantes fantásticos e os sapatões de sola grossa”.
Em 1941, Alceu caiu de paraquedas em outro fato histórico importante: a vinda do produtor e animador Walt Disney ao Brasil, como parte da política de boa vizinhança dos EUA na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial.
A legenda da foto de Alceu conversando com Disney antes da seção do filme “Fantasia”, publicada em “O Cruzeiro”, informava que ele fora encarregado pelo Itamarati de ser o tradutor de Disney nos dias em que ele passou no Rio de Janeiro.
MOCASSIM
Não fosse Alceu, quem sabe Millôr Fernandes teria se aposentado em outra profissão? Em 1937, Millôr tinha 13 anos e, por indicação de um tio, foi trabalhar em “O Cruzeiro” como ajudante gráfico.
Como havia muito trabalho –”O Cruzeiro” e os quadrinhos de “O Globo Juvenil” “”, Alceu chamou Millôr para que ele o ajudasse no acabamento das histórias em quadrinhos e da coluna “As Garotas”. Ao mesmo tempo, teria a oportunidade de aprender a desenhar, com dicas de esboço e arte-final.
“Passava algumas horas por dia, duas ou três vezes por semana, preenchendo o fundo dos seus desenhos”, lembrou Millôr, anos mais tarde. “Não foi muito tempo, mas foi tempo de encanto e medo. Você não imagina o pavor que eu tinha de errar tudo, inapelavelmente.”
Nesse convívio, Millôr viu nos pés de Alceu, pela primeira vez nada vida, um calçado elegante e revolucionário chamado mocassim. Millôr se lembraria do amigo “com uma educação (modos e maneiras) absolutamente esmerada e temperamento invejável. Uma qualidade nunca a desprezar: um homem belíssimo”. Para ele, a tônica de Alceu, no trabalho e na pessoa, estava na delicadeza.
ESTILISTA
Com dificuldades para importar material jornalístico da França durante a guerra, o editor de “O Cruzeiro” pediu que Alceu criasse modelos para as leitoras. Como estilista, assinou figurinos de famosas montagens do Cassino da Urca, do Rio, e do luxuoso Hotel e Cassino Quitandinha, de Petrópolis.
A partir de 1946, passaria seis meses por ano em Paris, de onde mandava as últimas tendências da moda. Alceu se tornou absoluto como referência na década de 1950, quando virou a principal atração da revista feminina “A Cigarra”. Noivas de todo Brasil, ricas e pobres, pediam-lhe desenhos de vestidos.
Ele atendia a todas. E jamais cobrou um centavo pelos modelos. Bastava-lhe a alegria de ver uma jovem subir ao altar com uma criação sua.
Seus figurinos, por anos, estamparam as capas da revista “Tricô e Crochet”, da fabricante de fios Moinho Santista.
Lojas de tecidos ofereciam a seus clientes folhinhas de calendário com as pin-ups de Alceu, cada vez mais ousadas e sensuais. Natural, portanto, que vestisse Martha Rocha no Concurso Miss Universo, em 1954. Está tudo registrado nas páginas de “O Cruzeiro”.
Seu reinado se estendeu pelos anos de 1960 devido a outro feito notável: eram dele figurinos dos monumentais eventos de moda e musicais da Rhodia ao longo de toda a década. Os desfiles percorreram passarelas da Europa (Roma, Paris), Ásia (Hong Kong e Beirute), EUA (Nova York) e depois quase todas as capitais brasileiras, sempre em espetáculos beneficentes.
Os espetáculos traziam shows de revelações que surgiam na época, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes. Na música também, como se vê, Alceu deu certo empurrãozinho na história cultural brasileira.